Embora amante do automobilismo e antigomolismo, nunca foi de luxar com carros. Mantinha-os sempre com a manutenção em dia e o interior limpo e organizado, deixando que a natureza resolvesse o resto. Para evitar o surgimento de insetos, baratas principalmente, jamais se alimentava no interior dos seus automóveis. Jamais.
Certa noite, ao entrar no carro saindo de um bar, sentiu algo estranho em seu ombro. Instintivamente passou a mão e eis que uma barata saiu de seu ombro diretamente para o interior do veículo. Tarde da noite, tudo escuro, o jeito foi entrar no carro e ir para casa o mais rápido possível, torcendo para que a intrusa não desse o ar da graça durante o trajeto, que era relativamente curto.
Dia claro, a primeira providencia foi dedetizar o interior do carro com uma carga pesada de inseticida. Vidros fechados, deixou o produto agir por uns bons minutos. Pronto! Com toda a certeza o inseto estava fora de combate. Saiu para trabalhar tranquilo e seguro de si, como se nada houvesse acontecido. No final da tarde, ao fim do expediente, procurou o cadáver onde ele suponha estar. Nada. Procurou do outro lado, atrás, embaixo dos bancos e dos tapetes de borracha. Nada. Já atrasado para compromisso familiar desistiu da caça. No dia seguinte nova busca sem sucesso. Nem sinal dos restos mortais da atrevida. Resolveu deixar o assunto para lá até que caiu no esquecimento.
Tempos depois começou a notar estranhas ocorrências noturnas no interior do carro. Uma pequena sombra se movimentando no canto do painel, no console, correndo pelo tapete, a sensação de algo a fazer-lhe cócegas nas pernas. “É ela! Mas será possível?”, pensou. Novas cargas de inseticida, mas as aparições continuaram. Obcecado, mandou fazer uma limpeza geral no interior do automóvel, retirando bancos, tapetes, forrações, tudo. E nada do cadáver aparecer.
O carro era ainda seminovo, em estado de zero, quando surgiu uma boa oportunidade para trocá-lo por outro melhor. Não faltaram pretendentes para “herdar” a jóia que era aquele veículo, que acabou ficando na mão de um conhecido. O negócio foi feito e a vida continuou.
Passados alguns meses, encontrou com o novo proprietário e seguiu o diálogo:
- E aí, como está meu carrinho?
- Rapaz, nem te conto. O carro já era e quase eu vou junto.
- Mas o que houve? Conte-me.
- Uma noite dessa vinha pela Avenida dos Desesperados com uns 60km/h, quando surgiu uma barata passeando sobre o painel, saindo do canto direito e vindo em minha direção. Nem imagino de onde surgiu tal inseto. Nada podia fazer, pois o trânsito era intenso, apensas fiquei de olho nela. Na primeira chance, peguei uma flanela para tentar neutralizá-la, mas a danada voou em cima do meu rosto. Num instante larguei o volante, perdi o controle do carro, e bati de frente num poste. Perca total, amigo! Ainda bem que foram somente danos materiais. Mas o susto foi grande!
- Ah, Danadinha!
- É o que? O que foi que você disse?
- Não, nada não...
Pedro Altino Farias, em 03 de março de 2020, ano da pandemia do coronavírus
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