Raúl adorava uma boa farra. Às vezes dava uma fugida discreta, outras nem tanto. Sua doce mulher era tida como santa por aceitar suas traquinagens. Ela sempre dizia que na próxima não o perdoaria, mas acabava perdoando. Sempre.
Nos dias de carnaval ele sempre encontrava uma forma de dar uma escapada e curtir um pouco a festa pagã, mas esse ano seria diferente. Sua mulher havia combinado com parentes e amigos de passar os dias de folia no sossego de um pequeno sítio que arranjaram emprestado.
O sítio era, na verdade, quase um terreno nu. Algumas poucas fruteiras, Uma pequena casa de alvenaria, uma boa cacimba, e mato, muito mato. A energia vinha de uma gambiarra puxada de um vizinho rabugento, que vivia ameaçando cortar o fornecimento ao menor sinal de barulho.
A casa comportava, teoricamente, quinze pessoas, mas a lista já ia para mais de trinta, entre mulheres, crianças e marmanjos, que levariam Dreher e cachaça para beber. Para sonhar, uísque e cerveja. K-Suco, panelada, buchada, frango, farofa, manga e banana completavam o cardápio do grupo.
O pessoal se organizou como pôde, formando uma verdadeira caravana de Chevettes, Belinas, Del Reys e Fuscas. Na última hora Raúl conseguiu uma Brasília emprestada, fato que deixou sua mulher muito feliz, pois viajariam sozinhos ao invés de irem na Kombi de um compadre, onde o filho do casal já tinha lugar garantido.
Desde que decidiram passar os dias de folia nesse sítio, Raúl pensava numa forma de dar uma fugidinha, mas a tal propriedade era no meio do nada, quase impossível arrumar uma desculpa para sair de lá sozinho. O tempo passava rápido, e ele cada vez mais angustiado não vendo solução para seu caso. Enquanto pensava em mil artimanhas para escapulir, a esposa o pressionava com típicas chantagens emocionais em doses hemeopáticas.
Enfim chegou o dia. A maioria já havia seguido para o sítio na sexta, mas como Raúl trabalhava no sábado, teve que sair já de tarde. Ele e sua doce esposa seguiam na Brasília quando ela, muito amorosa, pediu-lhe que parasse numa padaria a fim de comprar mais algumas coisinhas. Ao estacionar o carro, Raúl perguntou à mulher, que exercia forte marcação sobre nele: “Quer que eu entre na padaria com você!?”, “Não benzinho, espere aqui”, respondeu ela com a voz mais meiga a apaixonada com a qual alguém poderia falar.
“É agora ou nunca!”, pensou ao ver a mulher entrando na padaria e sumindo de sua vista. Engatou uma ré e foi embora, sem nem ao menos olhar para trás. Dos dias que se seguiram ninguém tem notícia. Sabe-se apenas que na quarta feira de cinzas Raúl estava numa ressaca moral sem fim, e por isso emendou na gandaia até a segunda-feira seguinte, quando voltou para casa sem tostão, cansado e desconfiado. A mulher dele estava furiosa e quase não o perdoa desta vez. Quase!
Pedro Altino Farias, em 20/02/2011