terça-feira, 26 de novembro de 2013

O Hotel Que se Dane!

 

De camisa colorida com motivos tropicais, compareceu ao primeiro dia de trabalho naquele belo, porém, modesto hotel. Antes de iniciar o expediente, trocou a camisa com estampa floral por um discreto terno, que lhe caía muito bem aos ombros. Assim estava habituado.

Problemas com a água quente, jardins, garagem, roupas de cama e banho, restaurante, bar, suprimentos, instalações elétricas e hidráulicas, limpeza geral, reservas, manutenção de elevadores, freezers, fornos...

Folha de pagamento, recebíveis, impostos (argh, ele odiava os impostos), pagáveis, depósitos, retornáveis, saques, clientes, reclamações, estornos e transtornos.  

Seguranças, ascensoristas, recepcionistas, manobristas, garagistas camareiras, garçons, cozinheiros, jardineiros, serventes e técnicos diversos num vai e vem  infernal e sem fim.

Ao cair da tarde, enfim, ele se encolhe e se recolhe aos seus modestos aposentos. Do glamour e agitação do dia, para o despojamento e o sossego concentrados em poucos metros quadrados à noite, numa transformação radical. Quem diria ser ele tão simples assim?

Que pensamentos ocupariam sua mente nesses momentos de clausura? Que planos estaria traçando para seu futuro? Quem sabe...

Na manhã seguinte, seu segundo dia no hotel, já chegou ao trabalho de paletó e gravata. Delegou funções, fez algumas ligações pessoais, contatos. Reservou um apartamento em local discreto para si próprio. Tinha esse direito como gerente. Lá poderia tomar um bom banho com privacidade e descansaria da labuta nos raros e rápidos momentos em que fosse possível.

No terceiro dia, já com o responsável por cada tarefa devidamente designado, ficou mais livre para “administrar” seu tempo, e visitou seu discreto apartamento pela primeira vez. E pela primeira vez recebeu visitantes particulares. Tapinhas nas costas, saudações, sorrisos, telefonemas, e lá se vai ele ao fim da tarde para seu refúgio franciscano.

O quarto dia foi o primeiro de uma nova rotina: hotel aos cuidados dos comandados, livre para tratar de “outros assuntos” com os visitantes de seu discreto apartamento. E assim foram os outros tantos dias que se seguiram a esse.

“Mas, e o hotel, como fica?”, perguntariam vocês. “Ora bolas! O hotel que se dane!”, responderia ele, arrogante, sem lembrar que ao cair da noite, toda noite, voltaria a ser ninguém novamente.    


Pedro Altino Farias, em 26/11/2013


quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Brasil: contradições e confusões



Março de 1964 é nosso ponto de partida. Revolução ou golpe, afinal? 


Consumado o golpe – ou revolução - terroristas comunistas lutam para derrubar a ditadura militar instalada e implantar no país o regime de partido único com o seguinte argumento implícito: “O deles não pode, mas o nosso, pode!”. Enquanto isso, o verdadeiro democrata e amante da liberdade, chamado cidadão brasileiro, vive o terror no cotidiano. Pelos dois lados.



“Integrar para não entregar” era o slogan do Projeto Rondon daqueles anos, que enviava jovens universitários voluntários para prestarem serviços em regiões longínquas e inóspitas do nosso território. Iniciativa louvável, reconheçamos. Enquanto isso, o governo se endividava no mercado internacional para honrar outro slogan por ele criado: “Pra frente, Brasil!”.



Evoluímos política, econômica e socialmente com o passar dos anos, não há dúvidas. Menos mal. Mas criaram cada coisa esquisita por aqui...

Talvez tenhamos as crianças mais bem assistidas do mundo. Apenas no papel, claro. Por aqui, fedelho não pode nem apanhar moderadamente dos pais, nem ser repreendido pelos professores, senão pode dar cadeia para o “agressor”. O menor de dezoito incompletos também é considerado criança, e é, teoricamente, protegido pelo Estado, que não tem condições sequer de proteger a Esplanada dos Ministérios de ladrões, quanto mais um montão de garotos problemáticos (aqui se abusa do eufemismo).

 



Quando cometem crimes, esses jovens não são presos, e sim, encaminhados para “instituições especializadas”... Em produzir criminosos adultos de alta periculosidade. Mas... Esses mesmos jovens, inimputáveis perante a lei, podem votar e escolher nossos governantes e parlamentares. Seus votos têm o mesmo peso que os demais. Irônico, no mínimo. E contraditório também.

A evolução social também proibiu o cidadão de portar armas de fogo, afinal, para que andar armando num país tão seguro? 
 

 A polícia militar, que “tinha” a função precípua de repressão ao crime, manter a ordem pública e proteger a sociedade (Art.144, §5º da Constituição Federal: "§ 5º - às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil."), está praticamente proibida de disparar um tiro de baladeira que seja, sob pena de ser responsabilizada por todos os males do mundo desde a época da criação. País civilizado é assim mesmo! Sorte nossa sermos brasileiros! 



E o que dizer dos nossos gloriosos jogadores de futebol? Talentos descobertos, eles são vendidos para times do exterior por “fantastilhões” de reais. Chegando ao dito país estranho, logo começam a marcar gols e mais gols, sendo idolatrados pela torcida local, eleitos os melhores do mundo e tal. Convocados para atuar em nossa seleção, têm desempenho pífio, de decepcionar e matar de raiva. “Faltou tempo para um melhor entrosamento”, justificam. Ah, sim... Desculpem, é que não entendo muito de futebol...



Quem noutros tempos decretou: “É proibido proibir!”, hoje veta. É a velha via de mão única se mostrando com vigor e fazendo desmoronar sonhos (nossos) e falsos ideais (deles). Uma pena. 

 

Nosso governo se apressou em remeter desportistas de um “país amigo” de volta ao seu algoz. Eles, cidadãos de bem, pretendiam, inocentemente, fugir da ditadura sanguinolenta de sua terra natal. Ledo engano. Por outro lado, esse Estado, tão préstimo, deu guarida a um terrorista e assassino italiano condenado pela mais alta corte italiana em julgamento lícito e democrático, negando insistentes pedidos de extradição. Por mais que se explique, não dá para entender...


 

Ainda falando em “mais alta corte”, a nossa julgou e condenou. Depois, ela própria, com providenciais alterações em seu plantel, deu aquela amaciada na situação, fazendo a nação corar de vergonha e chorar de indignação. Mas a lei vale para todos, assim está escrito, acreditam?


 

Fiquei abismado mesmo foi quando o Presidente da República, em pleno exercício de sua função, declarou que seu expediente se encerra às dezoito horas diariamente. Daí em diante ele se sentia liberado para subir no palanque de sua candidata e orar por ela frente ao povo. Ridículo! Risível! Um breve raciocínio nos leva a duas possibilidades: ou o Presidente agiu corretamente e o país diariamente ficava com a presidência vaga após as dezoito horas e fins de semana, ou alguma coisa estava muita errada. Fiquei mais abobalhado ainda, porque essa foi uma declaração pública, assim como seus atos em palanque... E ninguém fez nada, não cobrou uma explicação, nem arranjou um substituto para suprir as folgas do farsante, nem o interpelou judicialmente a dar explicações.


  

Depois de dez anos de governo “socialista” ainda temos o MST como movimento vigoroso. Ué, já não era para ter se resolvido essa questão confiscando terras de latifundiários da elite e distribuindo-as para quem precisa trabalhar no campo? Por que manter e alimentar esse movimento indefinidamente? Mais uma vez não entendi.
  

Para finalizar, vivemos um contraditório interessante nesses últimos dias, deixando-me mais baratinado do que já estava. Simpatizantes do partido do governo desqualificaram o trabalho de certo instituto de pesquisa de opinião por anos e anos, associando-o a fraudes e a defesa de interesses da “elite dominante”. Agora, o mesmo instituto divulgou pesquisa favorável à situação, e aqueles mesmos festejaram: “Vocês viram as pesquisas? 2014 vai ser no primeiro turno!”.  Mais uma vez fiquei confuso, não era tudo de mentirinha, não? Ou o dito instituto continua a serviço das “elites”?

 

  
Pedro Altino Farias, em 20/11/2013   

terça-feira, 12 de novembro de 2013

FEBRE


Era noite. A febre do caçula não cedia, apesar dos medicamentos. Antes que as horas avançassem, pai e mãe resolveram procurar atendimento médico. A dificuldade financeira que a família atravessava deixou apenas e tão somente dez reais disponíveis na carteira, cinco dois quais gastos com combustível no tanque da Belina.

Trocaram de roupa rápido, ajeitaram a filha mais velha – só um pouco mais velha – e dirigiram-se, os quatro, a um hospital. No trajeto, o garotinho vomitou.

A consulta foi satisfatória, pois a criança foi atendida pelo pediatra que a acompanhava há algum tempo e conhecia bem todo seu quadro de alergia e bronquite. Exames realizados, a suspeita era de uma forte virose. Para acalmar o estômago, o médico ministrou-lhe um remédio via oral e liberou-os.

Em pouco tempo estavam em casa, todos deitados, quando o caçula acordou os pais ainda com febre alta, mas agora também ofegante e muito esmorecido. Os pais logo perceberam que à virose juntou-se uma alergia ao medicamento que ele tomara. Rapidamente estavam todos novamente a bordo da Belina a caminho do hospital. 

O mesmo médico o atendeu, aplicando um antialérgico na veia. A criança adormeceu – a outra já adormecera nos braços do pai – e foi preciso aguardar um tempo para avaliar como ela reagiria ao remédio. Tudo certo, todos de volta para casa, com a recomendação de não deixar que a febre se mantivesse alta. Caso ocorresse, dever-se-ia recorrer até mesmo a um banho de chuveiro como forma emergencial de controlar a situação.

Alta madruga, um leve cochilo, uma verificação da temperatura do garoto. Embora a febre não cedesse, estava em níveis aceitáveis até que subiu repentina e perigosamente. O menininho chorava sem forças, corpinho combalido, olhos avermelhados, pele ardendo, mesmo sob efeito de remédios. 

Os pais, jovens ainda, olharam-se em dúvida e penalizados: que fazer? Começaram molhando com um pano juntas, testa, axila. Foram molhando aqui e ali. Nova verificação, e a febre continuava beirando o absurdo. Eles se olharam novamente. Não havia opção, e apelaram para o banho de chuveiro. Uma cena violenta, grotesca, jamais esquecida, mas que trouxe o alívio de baixar a temperatura e acalmar os ânimos. 

Mais uma lição de vida, uma marca, uma lembrança e um capítulo na história dessa longa jornada que já conta quase trinta anos.


Pedro Altino Farias, em 09/11/2013

ATENÇÃO:
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terça-feira, 5 de novembro de 2013

O Atropelamento


Empresa em processo de falência, salários em atraso. Com apenas cincos reais no bolso, deixei o tempo correr um pouco para ir apanhar meus dois filhos pequenos no colégio. Estava muito cedo. Sai do trabalho com meu Opala num rodar preguiçoso, parando no primeiro posto de combustíveis, onde abasteci com os reais que dispunha. 

Trafegando por uma via de três faixas de sentido único, deparei-me com um semáforo vermelho. Aproveitei para jogar uma “banguela” fazendo o carro deslizar, quase parando. Havia dois veículos parados ao sinal vermelho: um na faixa da esquerda, outro na do centro. Então, dirigi-me à da direita. 

Quando estava prestes a imobilizar totalmente o veículo, a luz verde acendeu, então, engatei uma segunda marcha e prossegui. Ocorre que um garoto de cerca de cinco anos vinha atravessando a avenida sem que eu percebesse. Quando vi, estava em cima dele. Brequei imediatamente, mas ainda encostei na criança, que caiu e bateu com a cabeça no chão. 

De repente, não sei de onde, apareceu a mãe do menino. Coloquei os dois dentro do carro e dirigi-me ao pronto socorro. Enquanto a mãe da criança aguardava uma consulta, liguei pedindo à minha esposa que fosse apanhar nossos filhos no colégio, que àquela altura deveriam estar com bastante fome, impacientes e preocupados. 

Como bom cidadão, aguardei todo o procedimento: consulta, radiografia e laudo final do neurologista, que liberou o menino. Prontifiquei-me a levá-los em casa para finalizar tudo na paz. 

Porém, quando fui retirar o carro do estacionamento, lembrei que não tinha uma moedinha sequer nos bolsos. Argumentava com o rapaz do caixa para que me liberasse, comprometendo-me a mais tarde providenciar o pagamento. Foi quando um senhor, ouvindo meu pedido, adiantou-se liquidando meu “fabuloso” débito de R$ 1,00. Agradeci-lhe penhoradamente. 

No trajeto de volta, tudo bem e resolvido, a mãe do garoto, ainda nervosa, começou a reclamar, chamando-me de irresponsável e avisando que seu esposo estava em casa nos aguardando para se entender comigo, então, seguiu-se breve diálogo: 

- Ótimo, assim vou contar a ele que seu filho atravessou a avenida desacompanhado... 
- Desacompanhado? Como? Eu estava com ele!
- Ah! Se estava, como é que atingi somente o garoto e não a senhora? Onde a senhora estava? Qual é mesmo seu endereço, heim? 
- Olha... Faça o seguinte... Pode deixar a gente na próxima esquina que tá bom.

E nunca mais ouvi falar da tal senhora, nem tampouco de seu marido... 


Pedro Altino Farias, em 05/11/2013 

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