Aqui, no nosso bom e sofrido Ceará, estamos vivenciando o “Escândalo dos Banheiros”, caso em que verbas públicas para a construção de kits sanitários foram desviadas de seus propósitos, resultando na não execução das obras a que foram destinadas. Os principais envolvidos no caso são um ex-deputado e Presidente (atualmente afastado) do TCE, e seu filho deputado.
O caso está sendo investigado com "todo rigor”, e três servidores de escalões inferiores foram indiciados na esfera da administração pública. Na outra ponta, a privada, estão “presidentes de associações municipais”. “Bois de piranha”, claro. Sabe-se lá quanto de extra estão levando no bolso para encarar a situação no mais absoluto silêncio.
A coisa segue a linha “imoral, porém, legal”. Homens públicos, lidando com verbas públicas, pai e filho fizeram tudo de forma a não se exporem, ficando na retaguarda e na engorda dos seus caixas dois; enquanto “presidentes de associações”, todos, de uma forma ou outra vinculados aos chefões, são indicados como responsáveis pela falcatrua. Não sou criminalista, mas acredito que, a se confirmarem os fatos pela justiça, formação de quadrilha cairá bem ao nobre presidente e ao jovem deputado, além da tipificação da fraude em si.
Deixando de lado os aspectos legais e morais, vamos aos sociais. Há anos construí kits sanitários num município próximo a Fortaleza. Salvo engano foram 147 unidades. A obra foi executada por construtora regularmente estabelecida, da qual eu era o engenheiro responsável, e beneficiou igual número de famílias carentes.
O contrato foi de difícil execução devido à pulverização das unidades a serem construídas, espalhadas por bairros e distritos distantes. Fizemos um planejamento estratégico onde estabelecemos pequenos centros de distribuição de materiais, visto ser quase impossível fazê-la ponto a ponto. Encostado material num desses pontos durante o dia, à noite, por vezes, a própria população beneficiada subtraía parte dele. Em outras palavras, roubava-nos. Mas a empreitada estava contratada e tínhamos que executar, então procuramos as soluções mais adequadas para tocarmos a obra.
O serviço foi concluído no prazo e TODOS os 147 banheiros entregues, processo este acompanhado por assistente social, fiscalização do órgão federal competente e prefeitura local. Se não deu prejuízo, quase empatou, isto devido aos problemas de logística já mencionados.
Quero aqui relatar o que vi durante este período. Famílias morando em lugares isolados, crianças raquíticas, casas de taipa e chão batido, moscas em profusão, panelas vazias, cachorros pulguentos transitando para lá e para cá. Gente sem instrução, sem formação, abandonados à própria sorte. Moças bonitas e... Desdentadas. Garotos alheios ao mundo profissional que lhes aguarda, mulheres e homens envelhecidos precocemente e sem expectativas de dias menos sofridos. Os beneficiados pelos kits sanitários até então faziam suas necessidades no mato, literalmente. Triste. Apesar de tudo isso, por onde andávamos sempre nos ofereciam um cafezinho com um sorriso encabulado... Quando tinham café (o sorriso nunca faltou).
Essa quadrilha roubou dinheiro público da sociedade, isso é fato. Roubaram de forma indireta, disfarçada. Mas desse povo sofrido e carente de tudo, roubaram diretamente, tirando-lhe o benefício concedido pelo Estado de ter um simples banheiro em casa e melhores condições higiênicas. Um pequeno sonho de melhoria, impossível de ser alcançado por meios próprios. Do Estado, por sua vez, roubaram uma parcela significativa de um programa sério de saúde pública, comprometendo seus resultados a médio e longo prazos. Falta gravíssima, dadas as circunstâncias de subsistência da população beneficiada.
Agora pergunto: o que merecem os autores de um crime como esse?