Um fio, uma agulha: difícil passar um por outra. Nova tentativa frustrada. Afinou o fiapo de linha com saliva, e mesmo assim não conseguiu. Olhos gastos, mãos trêmulas, pensar distante.
Iria cerzir roupas do filho que, desempregado, procurava nova oportunidade de servir a um senhor e precisava boa apresentação. Sem grana para roupas novas, o jeito era arrumar as que tinha. E ela estava ali para isso. Mais uma vez dentre tantas. Aliás, por toda a sua vida.
Enfim, linha na agulha, e logo um dedo furado. Não usava dedal há tempos. Até antes mesmo de o falecido partir para outra. Mais um costume que ficara para trás. Sangue!
Parou. O sangue trouxe-lhe à memória uma porção de acontecimentos. Coisas da vida de todo mundo, de qualquer um, nada especial. Lágrimas! O tempo ficou congelado por alguns instantes.
Sangramento estancado com o cuidado de não manchar a roupa a consertar, o trabalho seguiu em frente. Um ponto aqui, uma lançada ali, uma aparada em fios soltos, mais um jeitinho de mãe, um leve sorriso. Pronto!
Foi dormir com a ponta do dedo um pouco dolorida, mas nem lembrava mais da agulha a lhe perfurar a pele, apenas queria sonhar com um novo e lindo dia, ainda que a própria vida lhe estivesse por um fio.
Mais uma manhã por vir. Preocupações, pequenas alegrias, dores, limitações, lembranças e mais um “graças a Deus”. Quem sabe teria o privilégio a mais um dia completo, com direito a agulhas a lhe furar as pontas dos dedos e cerzidos perfeitos.
Pedro Altino Farias, em 24/05/2015
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