Precisava molhar a garganta. Pedi uma cerveja. O velho rádio, quase mudo, entoava uma canção popular no ambiente, "As daqui estão mais geladas", avisou aquele senhor franzino, bigode fino e muito educado, dirigindo-se a uma velha geladeira azul no meio do salão com flanelas vermelhas amarradas aos puxadores das portas.
De fato a cerveja estava gelada. Não tanto, mas gelada. Enquanto saboreava goles lentos olhei em volta. O velho rádio alegrando a casa, o escorredor de copos à antiga, a bacia abaixo da torneira aparando a água servida, o piso vermelho de cimento queimado já gasto pelo tempo (mas nem por isso sem brilho), a estrutura da coberta com linhas e caibros de carnaúba, balcão, bancos e mesas de madeira. Todos na cor cinza.
Caixas de cerveja, vazias ou completas, arrumadas aqui e ali, instalação elétrica com mil gambiarras, uma caixa de cachaça apoiando a bacia sob a torneira, um balde, calendário na parede, um solitário vaso com planta sobre o balcão, prateleiras semi desertas. Tudo simples, limpo e arrumado. E um único freguês, além de mim, para dividir uma prosa com Seu Raimundo Vieira, o simpático proprietário do estabelecimento.
Completando o cenário, que parece de outros tempos, um tradicional par de chifres colocado na mais alta prateleira, bem ao centro, por trás de um crucifixo que avisa: "Cuidado!". A arara, pendurada na parede de fundo, olha para o lado oposto com quem diz: "Eu, hein?".
Conversei um pouco com Seu Raimundo. Fiz uma observação sobre o escorredor de copos. "Foi o compadre Zezim quem fez ele... Em oitenta e um! Fez o balcão e as mesas e bancos também. Mas ele já morreu, viu?", alertou.
Antes que a cerveja acabasse, o tempo acabou. O meu tempo, porque o do Seu Raimundo parece não passar. Cerveja já meio quente, goles apressados, um abraço e a promessa de voltar. Quando der tempo.
Pedro Altino Farias, em 18/10/2014
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