Trafegava devagar por uma estrada poeirenta e um tanto esburacada, devagar o suficiente para que, a cada solavanco, suas lembranças chegassem a um lugar esquecido do passado, o que por si já era contraditório, pois lembranças não combinam com esquecimento. Será que seu destino seria fazer do esquecimento lembranças vivas? O coração batia em disparada.
Quanto mais se aproximava de Nossa Senhora dos Lugares Esquecidos, mais aumentava sua expectativa. Mas que lugares seriam esses? Por que teriam sido esquecidos?
Um encontro inusitado o esperava. Adentrou a cidade pela Avenida dos Sonhos Perdidos, com folhas secas caídas pelo asfalto estéril. Apenas uma leve brisa lhes dava algum ar de vida. Avenida reta e tão longa e monótona, que quase não se via seu fim.
Dobrou na rua Carinhos de Pai e Mãe e, automaticamente, sentiu-se feliz com um cheiro de bem me quer invadindo o ar. Fazia muito e muito tempo que não se sentia tão bem assim. A “Carinhos” faz esquina com a barulhenta e animada “Natais em Família”, fazendo prolongar aquela sensação de paz e felicidade no nosso turista ocasional.
Mas, assim como a vida, as cidades nos aprontam surpresas. No fim da “Natais” há a praça Projetos Engavetados. Com obras por terminar, a praça nada tem de agradável, “melhor passar adiante”, pensou o viajante, mas eis que logo em seguida caiu na Travessa das Palavras ao Vento. Nesse momento, considerou fazer a volta, pegar a “Sonhos Perdidos” novamente e sair da cidade o mais rápido que pudesse, mas a curiosidade, ou algumas lembranças escondidas, fizeram-no seguir adiante no seu programa de um dia qualquer.
Muitos dos habitantes da melancólica Lugares Esquecidos frequentaram, e ainda frequentam, o teatro Amores Impossíveis, um dos mais antigos prédios da cidade com seus jardins secretos e camarotes discretos. Ao longo do tempo, as sucessivas direções da casa privilegiaram o drama à comédia. Talvez isso não explique muitas cenas que ocorreram naquele palco. No momento, estava em cartaz a peça Parentes Distantes que, segundo moradores locais, não estava obtendo bom público. Quando há afinidade, a distância não importa. Não havendo, a distância traz o esquecimento.
Enfim, nosso turista chegou ao centro histórico de Lugares Esquecidos, cuja avenida principal é a Pinturas Desbotadas. Aos sábados há uma feirinha na Rua Cartas Amareladas, na qual as pessoas levam objetos que não lhes servem mais, ou por serem antigos, ou, simplesmente, por terem sido esquecidos. O curioso dessa feira é que esses objetos não são postos à venda, seus donos apenas procuram quem os queiram sob a promessa de não os esquecerem num canto qualquer também.
Na radiadora da cidade tocava a música Retrato em Branco & Preto quando ele parou num pequeno bar para merendar. Foram-lhe oferecidos coalhada, queijo fresco, ovos de galinha caipira, café moído na hora, cuscuz com leite de coco feitos do milho e do coco naturais, sucos de frutas da estação. Coisas que ele já havia até esquecido no ruge-ruge da cidade grande das comidas prontas.
Barriga cheia, chegara o momento do grande encontro, razão de sua viagem a Nossa Senhora dos Lugares Esquecidos. O dono do bar deu-lhe uma dica preciosa para que chegasse mais rápido ao seu destino, o Largo da Felicidade de Outrora, indicando que fosse pelo Primeiro e Único Amor, um beco estreito, uma via exclusiva, de mão única, sem volta. Poucos têm a sorte de saber de sua existência. Sim, existem as paralelas, mas paralelas são... Apenas paralelas.
No Largo da Felicidade de Outrora, no lugar e hora não marcados, encontrou-se consigo mesmo, uma pessoa quase irreconhecível, que fora esquecida pelo tempo e trato com as coisas práticas e rudes da vida corrida da metrópole. Achou-se um camarada legal, divertido e cheio de boas ideias. Sentiu uma enorme nostalgia tomar conta do seu peito. Findo o encontro, já saindo da cidade, fez uma oração a Nossa Senhora dos Lugares Esquecidos que terminava mais ou menos assim: “... Por isso, Nossa Senhora, um dia quero ser como esse cara!”.
Pedro Altino Farias, em 08/06/2024
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