Ele não sabe precisar o ano em que tal fato ocorreu, apenas que o Natal estava próximo. Caminhava normalmente pela rua quando tudo parou. Pessoas, máquinas, natureza. Assustou-se. O tempo parara completamente e, aparentemente, somente ele não sofrera tal efeito. Se não tinha uma explicação para o fenômeno dessa pausa temporal, tampouco imaginava o porquê de sua imunidade.
Num segundo momento percebeu que fitando os olhos inertes daquelas pessoas podia desvendar-lhes os sentimentos, tanto positivos, quanto negativos: alegrias, conquistas, angústias, frustações, decepções. Com um simples olhar passou a entendê-las e, mais que isso, a descobrir a vida de outra forma.
Num instante pensou nos seus amigos e entes queridos, e movimentou-se para aonde estava cada um deles como se tele transportado fosse. Todos com os olhares congelados, porém, com suas almas expostas. Ficou chocado com o que “viu”. Mesmo tendo uma vida inteira de convivência, não imaginava a torrente de sentimentos que irrigava aquelas vidas, e lhes tirava a água também. Parou e olhou para si percebendo-se, ele próprio, imerso num emaranhado de sentimentos, positivos e negativos.
De súbito ouviu o choro de um bebê, sem distinguir de onde veio, ou se ouviu de fato. Imediatamente após percebeu nitidamente um homem com seus trinta e poucos passar por sua mente. Calmo e bondoso, parecia ser o guia a lhe apresentar a vida e as pessoas dessa outra forma, nuas, com todos os seus íntimos revelados.
Fim do transe, tudo voltou ao normal, numa movimentação urbana frenética. Agora sabendo como as pessoas são realmente, passou a compreendê-las, aceitá-las e ajudá-las no possível. Sentiu que todos agiam da mesma forma em relação a ele, e perguntou-se se elas não teriam passado pela mesma experiência surreal que ele. Talvez.
Enfim, noite de Natal. Família reunida para a grande ceia do ano, foi instado a dizer algumas palavras. De novo ouviu, ou pensou ter ouvido, aquele choro de bebê. Então se ergueu lentamente, olhou no olho de cada um e disse: O Natal chegou, não deixemos que ele se vá! E todos se abraçaram e dividiram o pão e o vinho postos à mesa numa grande comunhão, e a partir daí passaram a viver uma nova vida. Para eles e para os outros, a quem Alguém um dia chamou de próximo.
Altino Farias, em 16/12/2019
Linda crônica, linda reflexão, Pedrinho! Que seja um Natal abençoado para todos nós e se perpetue por todo o Ano Novo, se renovando a cada dia.
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