domingo, 5 de dezembro de 2010

A Metade da Metade da Metade da Metade...








Outro dia fui ao casamento de um amigo e, após a cerimônia, nosso grupo seguiu para o buffet onde haveria a recepção do casal aos convidados. Além de o casamento em si ter sido de muito bom gosto, a festa também foi. O lugar era agradabilíssimo, ricamente decorado, mas sem afetação nem exibicionismos. A cozinha estava um esplendor, com salgadinhos finos transitando entre os convivas, camarões e filés pedindo para serem degustados, bebidas para todos os gostos e boa música a embalar as conversas e danças. Lá pelas duas da madrugada o buffet ainda estava completo. Tudo uma delícia. Perfeito.


A dado momento uma pessoa veio à nossa mesa recolher pratos e talheres que haviam sido utilizados. Foi quando um amigo que estava ao meu lado não permitiu que levassem os dele ainda, pois restavam dois camarões, já cortados em pedacinhos. Além de não permitir que recolhessem seu prato, ele ainda pegou de volta um potinho que continha um molho para dar um incremento no camarão e ficou ali, curtindo seu tira-gosto em doses para lá de hemeopáticas, enquanto no bufett os camarões transbordavam num vaso de vidro esperando serem flambados e servidos. Esse comportamento é típico do bebedor de cachaça (o legítimo!!), que com uma pequena porção de qualquer coisa toma doses e doses e doses. Por horas e horas e horas.


Na semana seguinte comentei o assunto num bar com outro amigo, Romeu Duarte, que, como aquele, também aprecia uma boa pinga (também faço parte desse clube, vale salientar). Além de concordarmos com o óbvio, ficamos nós dois fazendo considerações mil a respeito do assunto. Ele contou um fato interessante e bem ilustrativo desse comportamento minimalista típico do bebedor de cachaça. Disse que um certo amigo dele chegou no “bar de sempre” e pediu uma dose de cana e azeitona. O dono do bar, por certo querendo agradar, trouxe a dose e um pires com umas quatro azeitonas. Nosso amigo bebedor de cana olhou para o pires e disse ao dono do bar: “Eu pedi foi um tira-gosto não foi almoço, não!!”


Noutro caso, também relatado por Romeu, o cidadão levou ao bar um queijinho tipo polenguinho. Sentou, pediu uma dose, abriu cuidadosamente o papel laminado que envolvia o queijo, tirou uma Gilette zerada do bolso, e a cada dose fatiava uma lâmina do queijo pra tirar o gosto, tão fina e frágil que se não dispensasse todo o cuidado nada lhe chegaria à boca.


E assim somos nós, os apreciadores de uma boa cachaça: minimalistas, cuidadosos, experimentalistas. Sim experimentalistas, pois sempre aparece alguém dizendo: “Olhem o que descobri, é jóia para tira-gosto!!”. E todos experimentam incontinenti... E aprovam. Uma só cajá ou seriguela pode durar horas. Alguns curtem dar uma lambida num píper depois de um trago. Cajú, abacaxi, limão, laranja, tangerina... Um caldinho numa xícara pequena... A mínima parte de uma fatia de salame... Aquele restinho de pão molhado no melado do molho que ficou no prato... Tudo vai bem, tudo basta.


Mas para mim o campeão do tira-gosto é o queijo, porque vai bem com qualquer bebida, seja cerveja, uísque, vinho ou... Cachaça. Mas acompanhando a cachaça no ritual da biritagem é que o queijo se revela valioso, pois permite subdivisões que a própria física não compreende ainda, sendo o último pedaço sempre dividido na metade pelos confrades presentes à mesa. Depois, na metade da metade, depois, na metade da metade da metade, depois ainda na metade da metade da metade da metade... Não sei se é verdade, mas ouvi dizer que em certa mesa se dividiu tanto o último pedaço de queijo que se chegou a uma partícula de dimensões subatômicas!! E eu acredito, pois quase cheguei lá uma vez. E só não cheguei porque, enquanto fui ao banheiro, levaram o pires da minha mesa com o pedaço de queijo restante. Ainda fui até o balcão, o prato estava lá, e o que restava de tantas metades do queijo subdivididas em seqüência também, mas o cara insistia em teimar comigo dizendo que não estava vendo coisa alguma, que o pires estava vazio. Nesse momento eu pensei que ele estava querendo me fazer de bobo... E ele pensou, talvez, que eu fosse louco. Mas que com aquele queijim ainda dava para tomar umas três doses, dava!

Altino Farias
altino.frs@gmail.com

2 comentários:

  1. Altino, tua abordagem sobre o (fino) tira-gosto fino é real. Bebedor de cachaça se contenta com qualquer lasqueira. Lembro que lá pelo meado da década de 70, tomamos uma garrafa de pinga na praia, tirando gosto com uma pilombeta seca e uma goiaba. Cada um lambia e passava pro outro papudim.

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  2. É, amigo. No tempo do colégio saímos da aula por volta das 17:15 e íamos a um bar perto tomar umas canas. O tira-gosto era pão com pão. Pedíamos meio pão e íamos tirando umas bitacas aos poucos porque o "tira-gosto" tinha que render até as 10 da noite...

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