
INTRODUÇÃO
Achava que a vida
deveria ser vivida em capítulos como contos independentes. Ao virar uma página,
o que passou, passou. Ponto. Sem interferências nos capítulos seguintes, sem
traumas, mágoas, rancores ou lembranças. Assim se viveria tantas vidas
diferentes quanto se quisesse. Para que ser advogado ou funcionário público por
toda uma vida? Por que construir uma família
para sempre? Por que morar numa mesma cidade por décadas a fio?
CAPÍTULO
I
Nasceu em boa família.
Estudou bastante. Brincou um pouco. Namorou e casou com seu primeiro amor ainda
bem jovem, antes mesmo de formar-se médico. Aliás, esse capítulo e o casamento
terminaram antes que concluísse o curso.
CAPÍTULO
II
Conheceu uma
nova-iorquina descendente de porto-riquenhos pela internet, largou o curso e
mandou-se para os EUA. Bebeu, conheceu drogas e proclamou: “Liberdade! Essa é a
vida que eu quero!". Decidiu estudar artes cênicas, mas
seu visto de permanência venceu e ele teve de voltar ao Brasil. Deixou a
nova-iorquina no passado, assim como o filho que ainda estava por nascer. De
volta à pátria mãe, escolheu uma cidade do litoral para viver, mas passou o
restante deste segundo capítulo sem saber ao certo que caminho seguir.
CAPÍTULO
III
“Meu Deus, já? Não
sabia que quarenta anos se passam tão rápido!”. Mas a vida começa aos quarenta,
não é mesmo? Ou ao terceiro capítulo de qualquer história. Mas este terceiro
capítulo foi curto, e acabou antes que ele resolvesse qualquer coisa.
CAPÍTULO
IV
Contrariando o que pensara na introdução, aqui aconteceram coisas absurdas. Os capítulos começaram
a se entrelaçar inesperada e freneticamente. Aquela do primeiro amor cobrou-lhe
anos de desatenção apontando para o filho desajustado. “Ausência total do pai”, acusava ela. Ato reflexo, quis conhecer o rebento fruto do romance com a
nova-iorquina, mas não obteve sucesso. Impacientou-se. A saúde também lhe
cobrou uma conta pelos excessos da temporada teatral. Um capítulo inteiro
tentando desesperadamente reorganizar a vida antes que ele terminasse.
CAPÍTULO
V
Inteligente e criativo,
sem dúvidas, enfim, encontrou uma atividade que lhe satisfazia e rendia algum
dinheiro para seu sustento, pois seus pais, que antes lhe proviam de tudo, haviam
falecido no capítulo anterior. Seu único irmão não queria notícias dele há
tempos, pois temia perder pelo menos um capítulo inteiro de sua própria vida
envolvido com a do mais novo. Assim, esse capítulo terminou mais ou menos, porém,
ainda a tempo de um novo amor.
CAPÍTULO
VI
Este capítulo começou com
o fim de mais aquele romance. Desistiu. Ou era realmente complicado, ou os
relacionamentos eram complicados. Obviamente achava que o problema não era ele.
Sozinho, ia vivendo sem mais aquele viço de criatividade, sem planos futuros nem mais sonhos aos sessenta e poucos, no entanto, alentava a esperança de ficar
em paz com seus filhos. Arrumou um cachorro de todas as raças para servir de
companheiro, e terminou o sexto capítulo cheio de esperança.
CAPÍTULO
VII
Reconciliou-se com o
irmão e, enfim, aguardava a visita dos filhos no capítulo seguinte, que se aproximava
rapidamente. Uma vizinha amiga prontificou-se para arrumar-lhe casa, os cabelos
e unhas; um garoto, que o tratava por vovô, ofereceu-se para banhar o vira
latas. Estava tudo pronto, no entanto, a vida dele terminou inesperadamente
antes do final deste capítulo. Uma pena.
EPÍLOGO
Enquanto transitava entre
uma dimensão e outra, pensava no caleidoscópio que fora sua passagem na Terra,
os capítulos de sua vida. Não aproveitou o suficiente o primeiro capítulo, base
da vida. Fora afobado e egoísta. No segundo, deu asas à liberdade, confundiu-se,
viveu intensamente e voltou ao ponto de partida. No terceiro nem percebeu o
tempo passar. No quarto, colheu o que plantara nos capítulos anteriores. No
quinto, tentou se reequilibrar na tênue linha da vida; no sexto, sossegou o
espírito. Agora, depois do fatídico sétimo capítulo, conseguia enxergar tudo o
que se passara com ele, e tinha a esperança de que o entendessem
e perdoassem. Desperdiçou muito tempo e sentimentos e agora daria tudo por mais
um capítulo em sua vida... Por mais breve que fosse.
FIM
Pedro
Altino Farias, em 13/09/15
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