terça-feira, 29 de novembro de 2011

A Sombrinha Amarela


O dia amanheceu nublado, frio. Uma chuva fraca e intermitente teimava em atrapalhar o dia de quem tinha compromissos a dar conta, e ele saiu da cama querendo ficar mais um pouco. Tarefas inadiáveis o esperavam. “Um desperdício botar os pés na rua numa manhã dessas”, disse a si mesmo.

Ela, com mil pensamentos ocupando a mente, nem pensou duas vezes. Embora sua manhã fosse a mesma, acordou muito cedo, arrumou umas coisas em casa e saiu. Sombrinha amarela à mão, ignorava se chovia ou não, queria apenas se desvencilhar o mais depressa possível dos afazeres do dia, e voltar para o calor, a segurança e a quietude do lar.


Coincidência! Os caminhos de ambos se cruzaram em meio à multidão. Chovia mais intensamente, e seus rostos estavam molhados pelos respingos levados pelo vento. Seus sorrisos eram a alegria do inesperado encontro.

Um não sabia do outro há anos, e emoções fortes dominaram esse breve momento, que foi efêmero apenas em relação ao tempo de sua duração, pois somente eles poderiam saber da importância daquele instante. Ou talvez nem eles soubessem...

Depois ela se foi, embrenhando-se no meio de mil guarda chuvas pretos e prédios cinzentos com sua sombrinha amarela. Parecia apressada, ou pelos compromissos que ainda tinha a cumprir, ou para afastar-se rapidamente daquelas lembranças. Enquanto isso, ele a observava olhando por cima dos guarda chuvas, vendo aquela sombrinha amarela se agitando e distanciando, até que a multidão fosse maior que sentimento dos dois.

Arrependimento. Ele já havia experimentado esse sentimento antes, repetido agora. “Por que deixá-la ir assim?”, pensou para, num instante, concluir: “Mas o que poderia fazer?”.

Fez! Saiu andando com velocidade em direção à sombrinha amarela, agora longe e difícil de mirar. Correu. O que faria quando a alcançasse? O que diria? Não tinha a menor ideia. Talvez nem precisasse dizer nada, mas o fato é que a sombrinha amarela se perdeu debaixo de uma chuva agora forte e intensa, entre mil guarda chuvas. Vê-la de novo? Quem sabe num dia qualquer, numa outra manhã fria e chuvosa... 


Pedro Atino Farias, em 29/11/2011

domingo, 20 de novembro de 2011

Loucos Somos Nós II




Vagueia pelo centro da cidade. Sua imaginação o transforma em um ser único, diferente, expressivo, fantástico. Para compor o que imagina ser, fantasia-se luxuosamente com o que encontra pela rua.

Enquanto nós nos submetemos ao tempo, nosso personagem o tem a seu inteiro dispor. Portanto, seu tempo é muito mais valioso que o nosso.

O ritmo de sua dança nos faz imaginar a música que soa no interior de seu ser. Bela música, por sinal. Aliás, a dança, associada à indumentária e à paisagem ao redor, faz com que a cena pareça mais um antigo ritual que uma dança qualquer. Um ritual alegre, de celebração de agradecimento pelo bom que se tem.

Mais uma vez eu pergunto: louco? Loucos somos nós, eternamente preocupados com o dia que de amanhã, como o time de futebol que anda mal das pernas, com o trabalho que lhe rouba oportunidades de viver melhor (mesmo sendo ele seu meio de sustentação), com roupas, carros, viagens... Quanta loucura!

Quem sabe um dia aprendo um pouco a viver com este senhor, e o mundo se revele para mim mais simples, mais justo, hospitaleiro, humano... E eu entre no ritmo dessa música imaginária, fazendo do tempo algo sem importância, e da vida, uma festa sem fim...


Altino Farias
altino.frs@gmail.com