quarta-feira, 24 de abril de 2013

Problema



Varou a madrugada pensando naquele problema. Problemão, aliás. Evitou deitar-se na hora habitual. Esticou mais um pouco a leitura, até porque o sono não chegara. Encostou o livro, virou de lado e... Nada! Só aquele problema repercutindo incessantemente em sua cabeça como se levasse seguidas marteladas no crânio.

Dormiu por pura exaustão. Um sono leve e assustado. A cada susto, o coração disparava, parecendo que entraria em colapso a qualquer momento. Minutos intermináveis até dormir novamente. O mesmo sono leve e assustado.

Acordou um trapo. Enfadado, cansado, com olheiras. E com o problema do mesmo tamanho que antes. Não conseguiu tomar café. Não cumprimentou o vizinho no elevador. Não se apressou no trânsito. Afinal, pressa para que? Queria somente que aquele dia passasse logo, os fatos se consumassem e pudesse, enfim, tirar aquele peso dos ombros.

Chegou a hora, o momento da verdade. O problema lhe foi exposto em toda a sua dimensão, com todos os nervos à mostra, todas as suas implicações e consequências. “Solução?”, perguntaram-lhe, dirigindo-lhe um olhar severo.

Avaliações diferentes resultam em conclusões diferentes. Às vezes somente na intensidade, mas diferentes. Soluções diferentes traduzem ângulos diferentes de ver uma situação.

O maior dos problemas é a morte, ou a forma que lidamos com ela. Se o convívio é “bom”, temos a solução de praticamente todos os outros problemas da vida. Todos infinitamente menores (se é que a morte é um problema). Pensando assim, conseguimos nos libertar de muitos males e aflições, mas é difícil, reconheçamos.

Expôs seu ponto de vista sobre a questão e a solução imaginada. Pensavam iguais! Surpresa e alívio! Concordância: sempre desejável, nem sempre possível.

Perdera a noite e, momentaneamente, a paz. Responsabilidade! Chegou até a desejar não estar mais no mundo dos vivos, mas logo em seguida percebeu ser esse um mau negócio, pelo menos por hora. Por fim, triunfou. Mas esse sucesso poderia ter sido menos dolorido. Para tanto, bastava-lhe um “fodam-se” no meio do caminho...

Pedro Altino Farias, em 15/01/2013
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terça-feira, 2 de abril de 2013

A Casa da Praia



Sonhava com um cantinho só nosso e um pedaço de mar a perder de vista. Muitos sonham também. Para isso havia adquirido um terreno na praia há anos, mas as condições financeiras nunca haviam permitido a construção de qualquer benfeitoria que fosse. Mais um ano passado, mais uma vez adiado o sonho. Parecia a linha do horizonte, que se afasta de nós na mesma proporção em que nos aproximamos dela.

Havia dias em que minha mulher me flagrava na prancheta rabiscando o que seria a casa da praia. Um puxão de orelhas me trazia de volta a realidade das posses restritas e sonhos postergados. “Sonhar não custa nada”, argumentava eu. “Quem sabe um dia...”

O ramo da construção civil, no qual eu atuava, é cheio de altos e baixos para pequeno empreendedor, meu caso. Num desses altos, separei modesta quantia, e, num ato de pura irresponsabilidade, resolvi construir uma casinha no local. Tomei a decisão sozinho, pois, submetida ao colegiado doméstico, seria voto vencido ante as demandas prioritárias do cotidiano.

Orçamento e cronograma prontos, escalei pedreiro e servente e mãos à obra. Às terças e sábados corria até a praia, distante setenta quilômetros,  para acompanhar o serviço e suprir necessidades. Bronzeado, minha mulher, intrigada,  perguntava por onde eu andava. “Sou peão de obra e vivo no sol”, respondia desconversando. Mas a pulga continuava atrás de sua orelha.

Ao cabo de quatro semanas um pretexto mal inventado levou a família completa à praia: eu, minha mulher, filha e filho pequenos. Outra desculpa explicava a carrocinha cheia de tranqueiras que o carro rebocava. Ao chegarmos ao terreno, protesto geral: “Construíram um casa em nosso terreno!”; “Como é que ninguém viu isso?”; “E agora?”.

Em meio ao pânico que se estabeleceu, minha mulher viu Max, o pedreiro que trabalhava para mim, sair da casa, e sorriu aliviada, entendendo de imediato o que se passava. Foi assim que aconteceu, e graças a essa “irresponsabilidade” até hoje nos refugiamos no “Solar Além do Horizonte” para curtir o por do sol, bronzear o corpo todo, ouvir o silêncio, ver o amanhecer que é lindo...   


Pedro Altino Farias, em 03/04/2010

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