terça-feira, 17 de outubro de 2017

Invisíve II - O Manto da Invisibilidade




Já havia tomado todas durante a tarde toda. A caminho de casa deu na veneta de passar num bar, um bar conhecido, frequentado por muitos amigos. Ao chegar, preferiu beber uns uísques no balcão. Passa um, passa outro, abraços, papos rápidos, mais uma dose e mais uma. 

Pouco depois uma loura acomodou-se numa mesa próxima ao balcão e pediu uma bebida qualquer. Sozinha, parecia que também já havia tomado algumas e interessada apenas em curtir sua dose e seus pensamentos. 

Num primeiro momento, mais pela oportunidade que pela boniteza, nosso amigo começou a puxar conversa com a loura, que correspondia desenvolta. Embora estivesse num bar onde todos se conheciam, junto ao balcão e no trajeto rumo aos banheiros, pensou:  “Rapaz, aqui nesse cantinho ninguém me vê. Eu vou é aproveitar”, e continuou com o papo, seguido de carinhos, agarrados e beijinhos. O manto da invisibilidade caíra sobre ele naquele exato momento. 

Quase meia noite, a moça chamou o rapaz para a responsabilidade: “Vamu, sair daqui? Vamu pra outro lugar onde a gente possa ficar à vontade? Tá a fim?”. Um “clic” repentino dentro do juízo do sujeito desativou o manto da invisibilidade e ele sentiu-se horrivelmente e desesperadamente vulnerável. “Uma péssima sensação”, resumira ele depois. Pediu a conta, despediu-se da moça com elegância, argumentando que chegara sua hora e foi-se.

No dia seguinte, antes das dez da manhã, três amigos já haviam ligado perguntando quem era a loura. “Mas como me viram se eu estava tão entocado e ainda mais com o manto da inviabilidade sobre mim?”, perguntava-se intrigado. Sabe-se lá, talvez não se façam mais mantos da inviabilidade como antigamente...

Pedro Altino Farias, em 17/10/2017

sábado, 14 de outubro de 2017

Invisível (I)



- Ei, garçom, meu uísque!

Passara a tarde do sábado biritando com amigos num botequim. Uísque foi a pedida do dia, já que a cerveja imperou na noite de sexta. “Não gosto de repetir cardápio”, justificou. Bons papos, atendimento perfeito (dentro do possível), tira gosto nem tanto, finda a etapa vespertina, já começo da noite, marcou encontro com a esposa numa churrascaria para morder uma boa picanha. Com uísque, claro!

Qual criminoso de altíssima peliculosidade, pediu a conta junto com a saideira, que foi bebendo ao volante. Regulou o consumo de forma a chegar ao destino junto com o último gole. Com a esposa já à espera, sentou e disparou seu pedido: uma dose de uísque em copo alto e com muito gelo. E urgente!

Intermináveis quatro minutos passados, ele vê o garçom passando ao largo e gritou lembrando seu pedido como já foi dito aqui. O garçom acenou que esperasse mais um minuto e sumiu. A essa altura o suor lhe escorria pela testa, a mãos ansiavam por um copo, parecia-lhe que o mundo ao seu redor congelara até que a dose estivesse à mesa. A mulher falava, porém o áudio não chegava aos seus ouvidos. Estava temporariamente surdo. 

Numa terceira tentativa, “Meu filho, esqueceu de mim?”, ainda procurando ser simpático e amável sem resultado prático. Daí por diante, com a esposa sempre lhe pedindo calma, começou a achar que estava invisível aos olhos do garçom e do mundo. Picanha e coca cola à mesa, e nada do uísque. O tal garçom simplesmente o ignorava. Agora não era mais suspeita, tinha a certeza que tornara-se invisível, decididamente.

Já sem esperanças de levar uma vida normal dali em diante, reuniu suas últimas forças e gritou a plenos pulmões ao garçom que mais uma vez passava ao largo, pensando que, se não poderia ser visto, que pelo menos fosse escutado, e disparou em desespero:

- GARÇOM, ESQUEÇA O UÍSQUE EM COPO ALTO COM MUITO GELO E TRAGA-ME UMA DOSE DUPLA SEM GELO E UMA SERINGA DESCARTÁVEL! 

O garçom tomou um susto com o grito mas, enfim, se tocou do mau atendimento que estava prestando, dirigiu-se à mesa e, num sorrisinho meio culpa, meio cúmplice, respondeu com um tapinha nas costas do cliente :

- Meu patrão, não se preocupe que não vai faltar mais nada pru senhor hoje!

E foi assim que aconteceu.

Pedro Altino Farias, em 14/10/2017

quarta-feira, 11 de outubro de 2017

Conselho Bom pra Cachorro





Em tempos que já se vão, antes da Lei Seca e do politicamente correto, bebia-se na liberdade dos bons papos acompanhados de bons porres. Homéricos porres, às vezes. Pois bem, nesse belo e dourado tempo, dois amigos se encontravam rotineiramente nas noites de sexta e tardes de sábado para tomar umas tantas, sem horários, nem estresse, e num certo sábado...



Chegaram ao bar do Zezim Gordo por volta das dez da manhã, quando as duas portas de enrolar ainda estavam semicerradas. Logo que Zezim abriu a primeira por completo, a dupla adentrou o bar e, incontinente, fez seu primeiro pedido:



- Uma gelada aí, Zezim!
- Peraí, deixa eu terminar de abrir esse carái!, resmungou.

Portas abertas, mesas e cadeiras organizadas, cerveja servida e sorvida pela dupla como se oxigênio fosse, veio logo a segunda. Nem bem deram o quarto gole, chegou um terceiro amigo, o qual também pediu uma geladíssima para lavar a garganta. O homem estava todo social: camisa, calça e sapatos. Extremamente amarrotado, é verdade, mas todo no social. “Esse tá virado”, disseram os da mesa em pensamento, provavelmente de forma simultânea, quando o homem, começou a contar o que se passara com ele naquela noite.

- Rapaz, ontem depois do expediente subi o Morro de Santa Terezinha (nessa época se podia curtir a bela vista da cidade de cima do morro). Nem ia demorar, mas apareceu um cara com um violão e perdi a noção da hora. Quando dei por mim era três da manhã! Aí eu pensei: Tô fudido! Liguei para minha mulher para avisar que estava tudo bem. Ela me chamou de cachorro e bateu o telefone na minha cara. O jeito foi curtir o violão até o Sol nascer. Depois fui fazer a base com um caldo no Pote. Agora vou tomar uma cerveja e chegar em casa latindo. Se ela cismar, cachorro que sou, dou-lhe uma mordida!

Finda a fala do socialmente incorreto, um dos ouvintes emendou:
- Tenho sugestão melhor: já que és um cachorro, levante uma perna e mije nos pés dela.
- Rapaz, como não pensei nisso antes? Gordo, mais uma cerveja aí...!


Pedro Altino Farias, em 11/10/2017 








quinta-feira, 5 de outubro de 2017

O Marujo




Moreno claro, corpanzil avantajado, gordo tipo socado. Olhos apertados, parecia sem pescoço por conta de uma manta de gordura que o envolvia. Cabelos pretos, escorridos e ralos, desciam até o meio da testa. Se o visual impressionava, seu sorriso fácil e franco cuidava de dissipar qualquer erro de avaliação.


Calorento e bonachão, costumava descansar nos começos de tarde numa espreguiçadeira gentilmente posta na calçada do bar pelo proprietário do mesmo, onde ele tirava uns cochilos alheio ao calor, ao barulho e às brincadeiras da turma que frequentava a casa.

Toda tarde, quase pontualmente às três horas, passava em frente ao bar uma garota que trabalhava num restaurante sef service que funcionava na esquina. Com seus viçosos dezoito aninhos, distribuía simpatia e simplicidade no trajeto do trabalho à parada do coletivo. Alguns marmanjos a viam com malícia, outros com um desejo ingênuo e contido. E eis a grande dúvida da turma: seria ele ingênua de fato ou insinuante e oferecida?

Nosso amigo bonachão era o mais agraciado pelos sorrisos e olhares dúbios da encantadora moça. Isso porque era o único a ali estar todos os dias que Deus deu. Muitas vezes só ele e ela, como se cúmplices fossem. Com o tempo a ideia de que a garota estava a fim dele foi se consolidando. Ao comentar suas suspeitas com a turma, encorajaram-lhe a partir para cima dela e resolver a parada> “Tá na cara que ela tá na tua!”, disseram-lhe. Ah, essa turma! 

Certa tarde, uma sombra boa, uma brisa fresca, e lá vem ela. Sem mais ninguém como testemunha, nosso garanhão deu o bote fatal. Ela esgueirou-se, reagiu, dissimulou e se saiu da mesma forma que sempre agira: sedutora, ingênua... Sempre dúbia, deixando nosso amigo a ver navios.

Tarde seguinte, bar lotado, turma reunida na calçada. Quase três horas e lá vem ela mais uma vez. Sorriso discreto, roupinha simples, na mesma simpatia enigmática de sempre. Ao cruzar caminho com o garanhão, que descansava no sossego de sua espreguiçadeira, recolhido à sua insignificância, ela o cumprimentou: “Olá, marujo.”. “Marujo? Marujo por que?”, quis saber ele, surpreso com o inesperado apelido. “Porque entrou na onda!”, respondeu ela sem alterar o passo nem se importar com as gargalhadas da turma. 

Pedro Altino Farias, em 05/10/2017