quarta-feira, 11 de setembro de 2019

Olhar e Ver

A pressa, o desinteresse e a distração pura e simples, fazem-nos cegar ante mil coisas bacanas que desfilam frente a nossos olhos diária e continuamente. Verdadeiras maravilhas. É preciso calma, interesse e um pouco de poesia para nos darmos conta do mundo real que nos envolve, caso contrário teremos uma visão seletiva, composta somente das imagens que satisfazem nossas necessidades no momento, criando um “mundo virtual” só nosso.



Toda terça feira vou ao Mercado São Sebastião e percorro seu entorno fazendo compra de insumos para a cozinha do meu comércio, a Embaixada da Cachaça, rotina repetida religiosamente nos últimos dois anos e meio. A pressa é grande, a lista de tarefas, enorme, e a cabeça totalmente ocupada com projetos e pensamentos que vão até o ano de 2035. Nunca dá tempo para ver além do olhar.

Terça última, no entanto, foi diferente. Amanheci a segunda com o propósito de entrar num ritmo mais lento, dando mais atenção a pequenas coisas do dia a dia, e deixando que as grandes questões percorram seu curso mais naturalmente. O universo parecia em sintonia comigo, porque naquele dia tudo estava, também, mais calmo: pessoas, trânsito, e o movimento habitualmente frenético do mercado e lojas, uma tranquilidade só.

Foi dentro desse panorama que, ao sair pela lateral do Mercado, consegui ver uma bela e antiga construção camuflada atrás da testada comercial de uma loja de ferragens. Parecia até que eu nunca estivera ali, que nunca saíra por aquela mesma porta lateral. Ah, como é boa a sensação de olhar e conseguir ver além dos olhos!
          

           
Não resisti e atravessei a rua. Fiquei por ali, olhando as ferragens expostas à venda, mas, na verdade, estava sondando o ambiente. A fachada da casa estava perfeitamente visível (para quem estivesse disposto a vê-la). De longe podemos ver detalhes em alto relevo e a inscrição “Laboratório”. Conta com recuo frontal, pequena área de acesso à porta principal e três janelas altas com vitrais. Pedi licença a um funcionário e fui entrando.

                     

                     

                     

Embora utilizada com depósito de ferragens e materiais pesados, o imóvel se encontra em estado de preservação bastante razoável. Piso mosaico na entrada e madeira corrida na parte interna, portas, bandeirolas trabalhadas, forro em lambri num pé direito alto, vitrais. Estão todos lá. Ainda. Fiz uma viagem no tempo voltando aos anos 40, talvez. Imaginei que funcionou como um laboratório de análises clínicas, com balcão de atendimento, sala de espera, salas da coleta de material e a parte laboratorial em si. É possível que tenha sido ocupado originalmente como residência. Uma bela residência, com todas as nuances de uma família completa: idosos, adultos, jovens, parentes, criados. No quintal, animais e fruteiras. Portas e janelas sempre abertas durante o dia.

Minha incursão foi limitada pelo pouco tempo que dispunha e pela falta de autorização oficial para ir mais adentro. Volto outro dia, quando os astros se alinharem novamente, para fazer o serviço completo. Espero que em breve... E que ela ainda esteja lá.



Altino Farias, em 11/09/2019