domingo, 31 de julho de 2011

O Eletricista


Gosto de carros. Gosto, não, sou apaixonado por eles, especialmente os nacionais dos anos 60/70. Dessa época todos me atraem. Dos atuais, uns poucos, pois a maioria segue “tendências” que os tornam sem personalidade.

A meio tempo entre o “antes” e o “agora”, tive o Opala Diplomata como sonho de consumo. Acabei adquirindo um usado, ano 1987, quatro portas, verde metálico. O carro era completo e sem defeitos aparentes, porém, vez por outra sua bateria descarregava totalmente, ao ponto de fazê-lo parar por falta de corrente elétrica. O problema se tornou verdadeiro mistério, visto que ninguém conseguiu descobrir sua origem.

Embora fosse um sábado de carnaval, eu havia agendado alguns compromissos profissionais com um colega. No roteiro duas cidades, ambas a cerca de 70 quilômetros da Capital. Na primeira fomos a um distrito, num percurso de 15 quilômetros para ida, e tanto igual para volta à sede do município.

Durante a volta, bem a meio caminho, numa estradinha carroçável, com o sol das 12:30 horas a maltratar nossos miolos, a luz alerta da bateria acendeu no painel. Gelei! Continuei em frente, agora pisando mais forte no acelerador, tentando, pelo menos, chegar à cidade, onde poderia obter ajuda. Tentativa frustrada, pois o “possante” morreu no meio do nada.

Ainda restava um pouco de carga na bateria, e pedi auxílio a uns caboclos que passavam. Eles ajudaram a empurrar o carro, que pegou no tranco, apagando-se de novo bem na entrada da cidade. “Agora estou tranqüilo”, pensei, com relação a um socorro elétrico. Perguntamos a um e outro, porém, como era sábado de carnaval, nenhum profissional foi encontrado na ativa, todos estavam na gandaia momina.

Enfim, apareceu um não sei de onde. Assustado e vendo as coisas complicarem, perguntei logo se havia possibilidade do Diplomata ser guardado na oficina dele, caso uma solução imediata não fosse possível. “Dá não, doutor. Minha oficina é pequena, é de bicicleta!”, respondeu o curioso que fazia as vezes de eletricista de automóveis. Perdi a fé no homem, e a esperança de sair dali dirigindo meu carro, mas como ele se mostrava muito prestativo, dei-lhe mais um tempo, afinal era carnaval e minha programação já havia ido mesmo para a lata do lixo.

Sem mais esperar por notícia boa, o “eletricista” emerge a cabeça de dentro do compartimento do motor com um fio solto na mão, dizendo: “Tá aqui o defeito!!”. E pegou um canivete, descascou a ponta do fio, soltou uma porca no alternador retirando um terminal partido, enroscou o fio lá, e apertou a porca. Depois disse animado: “Agora vamos fazer uma chupeta!”, acenando para que um amigo dele encostasse outro carro no meu, com o fim de fornecer a carga necessária para o motor de partida virar.

Sucesso! O motor pegou de primeira, com o alternador gerando a energia necessária para recarga da bateria. Conseguimos ainda cumprir parte do programado, terminando a tarde com uma cerveja gelada à beira das estrada e boas gargalhadas, lembrando a incrível história do mecânico de bicicleta do interior que resolveu o mistério que nenhum eletricista de grife da capital havia conseguido.

Altino Farias
altino.frs@gmail.com

domingo, 24 de julho de 2011

A Casa Aceita!


Potão era seu apelido. Imaginem a figura: mulato, tronco largo, estatura mediana, pouca instrução. Ainda falaremos dele aqui.

Dois casais amigos foram passar um fim de semana na casa de praia de um deles. Era um programa que estavam acostumados a fazer, de modo que os preparativos já seguiam certo modelo: carnes, carvão para churrasco, gelo, guloseimas para as crianças, queijos, defumados e... Cerveja, claro.

Determinado fim de semana, porém, foi diferente, pois o anfitrião convidou outro casal além dos amigos de sempre. O cara era um parceiro de negócios e havia certa cerimônia para recebê-lo. Notavam-se cuidados especiais com a casa, o arranjo da mesa, uma bela rede armada na varanda. Coisas que não se via no cotidiano. O casal amigo estava ali para dar um apoio, fosse nas conversas, no servir, ou na companhia, simplesmente.

Perto do meio dia do domingo os convidados chegaram. Ele, meio sério e sisudo, logo abriu um sorriso. “Melhor não descuidar, manter alguma distância e não tratar com intimidades”, pensou o anfitrião. Quanto à mulher, o conceito era outro. Metida a chique, maquiada, penteada e toda “não me toques”, era o que se chama hoje de perua.

O almoço estava em preparo. Peixada. Ainda demoraria um tanto, por isso o anfitrião pediu aos amigos que fossem até uma barraca com os convidados para que eles conhecessem a praia e tomassem uma cerveja, enquanto ele se ocuparia ainda com detalhes do almoço. Assim foi feito.

Ao chegarem na barraca de costume, Potão, cunhado do dono, estava fazendo as vezes de garçom. Pediram uma cerveja, a qual foi prontamente servida, acondicionada num porta cerveja de isopor. A mulher retirou a garrafa do suporte apenas o suficiente para ver o rótulo. Ao constatar que a bebida era de marca diferente da sua predileta, exclamou alto e em tom grosseiro: “Essa cerveja você pode levar de volta que eu não bebo!”. Em sua santa ingenuidade, Potão emendou, para horror da perua que estava bem ao seu lado: “A senhora não quer não, é? Pois a casa aceita!”, e tomou a garrafa inteirinha direto no gargalho e num só gole!


Altino Farias
altino.frs@gmail.com

domingo, 10 de julho de 2011

Liberal Demais



Com o senho franzido, um amigo confidenciava a outro o comportamento rebelde e excessivamente liberal de suas duas filhas adolescentes. Ele aproveitava que a turma ainda não havia chegado para o encontro habitual no bar para expor suas preocupações ao parceiro de mesa.

Segundo o confidente, conservador por natureza, suas filhas abusavam da boa vontade dele. Saíam sem dar satisfações, frequentemente dormiam na casa de amigas, relegavam os estudos a terceiro plano, e, cúmulo da heresia, insistiam em namorar no quarto... Com a porta encostada.

O amigo ouvinte, liberal por convicção (beirando o anarquismo), em tudo tentava minimizar as preocupações externadas pelo confidente. Dizia que também tinha duas filhas e que nada disso o preocupava. A cada posição liberal assumida, o outro esperneava, demonstrando grande indignação.

Várias situações preocupantes foram expostas, todas combatidas sob o argumento da liberalidade e confiança. Então, chegaram ao clímax da discussão: o direito das filhas namorarem no quarto. O liberal disse: “Lá em casa não tem isso, não. O namoradinho de qualquer uma das duas pode vir a qualquer hora e entrar direto para o quarto delas, com direito a fechar a porta. Confio nas minhas filhas”. Ouvindo isso, o outro quase endoida de vez.

Depois de meia hora de acirradas argumentações de lado a lado, e algumas doses, o conservador, já angustiado e exasperado diante de tanta moleza, perguntou: “E qual é a idade de suas filhas?”, ao que o líbero-anarquista respondeu: “Uma tem cinco e a outra, três...”.


Altino Farias
altino.frs@gmail.com

domingo, 3 de julho de 2011

Ciclos



Vivemos em ciclos, e de ciclo em ciclo vamos completando nosso aprendizado de vida, tanto no campo material, quanto no espiritual. Infância, adolescência, estudos, dificuldades, relacionamentos, casamento(s), filhos... Nesta fase de formação e amadurecimento, quando fechamos um ciclo abrem-se muitos outros, numa progressão geométrica, e a vida da gente vai aos poucos se tornando mais e mais complexa, cheia de alternativas, responsabilidades, e compensações também.

Depois, na época do nosso ocaso, mais ciclos são fechados que abertos. Amigos que se vão para sempre, entes queridos idem, aposentadoria, limitações físicas. Nosso espírito luta, mas o corpo não obedece, e, aos poucos, vamos nos resumindo, fechando ciclos, e fechando, e fechando, sem mais abrir novos.

Em Janeiro de 2010 fechei um importante ciclo em minha vida com a formatura da Ana Maria, minha filha Aninha, em Arquitetura e Urbanismo. Primeiro a cerimônia de colação de grau, depois a missa de Ação de Graças e, por fim, a festa dos concludentes. Em cada uma dessas ocasiões, muita emoção e um filminho passando em minha cabeça o tempo todo: a morte prematura de meu pai, também arquiteto; meu casamento ainda muito jovem; a formação da família; a luta diária para proporcionar uma boa educação aos filhos; seus primeiros namoricos; o momento em que eles decidiram suas carreiras... Um longo caminho. Muitos ciclos fechados e outros tantos se abrindo. Continuamente.

No início de março do mesmo ano, o Instituto dos Arquitetos do Brasil – Seção Ceará prestou homenagem a todos os ex-presidentes da entidade. Ficamos todos muito sensibilizados, pois como meu pai, Armando Farias, foi um dos fundadores do Instituto, recebeu uma atenção especial por parte dos arquitetos presentes à solenidade.



Ver minha filha representando o avô ao receber a justa homenagem, foi como se um ciclo, repentinamente deixado aberto por ele, se fechasse, e o tempo, parado desde 1974, ano de sua morte, começasse a contar novamente.

Agora temos o caçula, Altino José, nosso Tininho, concluindo seu curso de Engenharia Mecânica em breve. Tininho, cheio de idéias e sonhos assim como eu, já vive em meio a mil ciclos abertos, e outros mil se abrirão à sua frente de uma só vez quando concluir o curso... E mais um se fechará para mim, agora com um gosto de missão cumprida e vitória na educação dos filhos, única herança a deixar.

Antevejo viver as mesmas emoções quando da formatura de Aninha, o mesmo filme passando na mente. Às vezes rápido, às vezes lentamente. Dificuldades, incertezas, lutas, alegrias, união, conquistas.

Aos dois, desejamos sucesso em suas vidas adultas e profissionais. Que muitos ciclos se abram, e que eles saibam aproveitar o que cada abertura dessa pode trazer de bom, de sábio. Ficaremos na primeira fila da arquibancada torcendo. Sempre.

Quanto a nós, em plena maturidade, ainda passaremos algum tempo abrindo mais ciclos que fechando. Uns se sobrepondo uns aos outros num movimento frenético, pois assim é a vida... Até que tudo comece a seguir em câmara lenta e último deles se feche para sempre.





Altino Farias