quarta-feira, 27 de junho de 2012

Amigos da Onça - Episódio I: Curtição no Autódromo


A amizade masculina tem suas peculiaridades. Os homens, quando amigos de verdade, além de serem solidários e participativos entre si, têm um lado irreverente e brincalhão sempre pronto para aflorar. Como diz o ditado, “perde-se o amigo, mas não se perde a piada”.

Publicarei uma sequência de crônicas com algumas situações verídicas, que poderiam ser tidas como de verdadeiros casos de “amigos da onça” não fosse a forte amizade a unir as duas pontas envolvidas em cada episódio. Para iniciar, fiquem com...


                             Curtição no Autódromo

No início dos anos 80, época ainda romântica, havia um grupo de amigos, todos adolescentes na faixa dos dezoito anos, no máximo, loucos por automóveis e velocidade. Euzébio, cidade da região metropolitana de Fortaleza, abriga um autódromo que foi (e ainda é) palco de muitas pelejas e paqueras naqueles tempos de discoteca, rock e carrões envenenados.

Certo domingo de arrancadas violentas e ultrapassagens arriscadas, autódromo lotado, um dos integrantes dessa turma ocupava um lugar na parte de cima da arquibancada. Entre roncos de motor, goles de cerveja e cantadas de pneus, ele avistou um amigo mais embaixo, curtindo brincadeiras mil com duas belas e jovens garotas. Ficou até com inveja, pois ele mesmo se acompanhava de um marmanjo, outro amigo.

Passando a vista no geral da arquibancada, ele avistou, também, uma amiga da namorada do alegre amigo brincalhão lá de baixo. Prestou um pouco mais de atenção e notou que ela já havia visto tudo o que rolava arquibancada abaixo e pensou: “Isso vai dar uma confusão...”, mas deixou as coisas rolarem.

Acontece que o brincalhão era também afoito e, aproveitando um bom momento, lascou um beijo em uma das beldades ao seu lado. Beijo este que foi correspondido. Daí em diante nem é bom comentar, pois cerveja, calor, velocidade e  aquele ruído ensurdecedor, tudo parecia conspirar a favor e contra aquele rapaz ao mesmo tempo.

Na segunda feira a confusão foi grande. A namorada do brincalhão disse-lhe todas e mais algumas. Ficaram brigados um tempão, até que as coisas foram voltando à normalidade, mas isso à custa de muita adulação. Da parte dele, claro.

Comentando o episódio com o amigo observador, este lhe contou que estava lá e viu tudo desde o começo. “O QUE? TU VIU TUDO E NÃO ME DISSE NADA? PORQUE NÃO ME AVISOU, BICHO?”, bradou o agora não tão brincalhão assim. “Eu não! Tu tava tão animado que não quis estragar tua curtição. Aquela loirinha que tu beijou é muito gostosa, rapaz!”, respondeu o outro despretensiosamente e em tom de desdém.

Ficou certa rusga entre os dois, mas somente até se encontrarem no bar e darem muitas e boas risadas sobre o que ocorrera. Ao fim o brincalhão avisou ao outro: “Cuidado que um dia também te pego,viu!?”. E, já meio bêbados, reafirmaram a boa amizade com um forte abraço.


Pedro Altino Farias, 27/06/2012

ATENÇÃO:
Os textos deste blog estão protegidos pela lei nº 9.610 de 19/02/1998. Não copie, reproduza ou publique sem mencionar os devidos créditos.





domingo, 17 de junho de 2012

Confissões de um Alcóolico Assumido



Confessar algo é, antes de tudo, uma demonstração de fé no confessor. Nesse momento faço de vocês meus confessores... Não decepcionem!

Comecei cedo, aos treze anos. Um menino! E não parei mais. Somente uns dez dias aqui, uma semana acolá... Não mais que isso. E sempre por recomendações médicas, em virtude de estar tomando algum medicamento. Para quem não me conhece, estou com cinquenta e um. Firme e forte!

No começo era só cerveja e cachaça. Depois veio o rum com coca e a maldita vodka com Sukita. Tomei inúmeros porres de ambos. Vodka, hoje em dia, só bebo em pequena quantidades, pura e retirada direto do freezer; o rum continua a me enfeitiçar vez por outra.

Não tenho exageros para uísque. Em qualidade, eu falo. Em quantidade, como diz um querido amigo, o consumo é em “escala industrial”, embora eu não seja um especialista da área. Para bebê-lo, gosto de duas modalidades: puro, em copo pequeno; ou com gelo, em copo alto. O puro, normalmente tomo em casa, e tem, necessariamente, que ser de boa qualidade. Detesto os copos baixos, mas eles se mostraram muito úteis quando eu bebia e dirigia, pois são difíceis de virar. Na verdade, deixando o “politicamente correto” de lado, eles ainda me servem bastante, quem me conhece sabe.

Adoro cachaça, detesto caipirinha. A última que tomei foi... Deixe-me ver... Ah, lembrei! Meu primeiro porre foi de caipirinha, e, depois dele, jamais! Aliás, a única bebida misturada que gosto é o rum, as outras têm que ser puras ou com gelo, no máximo.

Cerveja é a companheira do dia a dia, embora só sirva para tomar na rua. Em casa é um saco, pois a gente precisa ter vontade minutos antes, para poder botar para gelar e beber minutos depois. E se der uma piscada de olho a mais, congela tudo!

Para cachaça e cerveja, o copo americano serve bem. Se tiver um pequeno para a cana, melhor, senão... Fazer o que? Houve uma época em que as lanchonetes baniram o copo americano, servindo cerveja somente em taças. Até hoje há certo preconceito contra o copo americano (isso precisa ser visto pelo Congresso, talvez criando um sistema de quotas ou algo parecido). Outro dia cheguei num restaurante e pedi que a cerveja fosse servida em um copo desses. O garçom disse não tinha, então peguei um que estava à minha frente, com palitos e guardanapos, dei para ele e disse: “Tome, lave e traga de volta com a cerveja.”.

Tem uma cerveja agora de casco verde, outra, transparente. Cerveja que se preze tem o casco escuro e fim, o resto é invenção. A maioria das cachaças de antigamente vinham envasadas em cascos tipo de cerveja. Essas embalagens de litro são grotescas, a gente toma meio litro e ainda fica metade da garrafa lá. Um vexame! Já com os cacos tipo de cerveja, a gente abre uma zero, toma à vontade, e deixa só um tantinho no fundo da garrafa que ninguém nem vê. Muito mais elegante!

A saideira, ah, a sadeira! Contrariando um mito, declaro aqui que a grande maioria das minhas saideiras estavam rigorosamente programadas. Talvez de cem umas cinco estavam devidamente previstas. Falando em saideiras, esse percentual representa “uma grande maioria”, podem crer, afinal, tudo é relativo, não é mesmo?

Claro que às vezes dá um branco, isso é inevitável. Reconstituir os passos dados durante o porre do dia anterior pode ser uma grande curtição... Ou não! Engraçado que, no meu caso, esses lapsos de memória se dão em situações tranquilas, quando estou mais relaxado. Certa vez tomei todas e vinha dirigindo numa avenida larga e iluminada. Meu GPS natural apontava corretamente para o norte, mas eu não reconhecia a trajetória, não fazia ideia de onde estava. De repente reconheci um prédio e localizei-me. Desse momento em diante não me lembro de mais nada. Foi como se eu acionasse o piloto automático do carro, ou meu anjo da guarda me conduzisse com todo cuidado e carinho até minha casa.

Tenho algumas manias. É normal estar ouvindo uma música no som do carro e assobiar outra ao mesmo tempo, por exemplo. Outra é que gosto de tomar umas doses quando chego em casa do trabalho à noite. Não raro levo copo e um refil com cachaça para o banheiro. Acompanham queijo ou azeitonas num pires. Uma vez instalado no “trono”, tomo umas lendo algo e ouvindo o noticiário que rola na tevê do quarto. Depois de umas três ou quatro, o banho tem outro sabor. Pena que o noticiário, com tanta corrupção à solta, não ajude nesses momentos de relax.

Mas naquelas horas especiais não faço questão de birita. O foco é outro, e bebida só atrapalha. Cachaça deixa um bafo impróprio ao momento. Cerveja requer algumas idas inconvenientes ao banheiro. Não combinam. Escapam o uísque e o vinho... Ah, o vinho! Ideal para a ocasião, mistura sabor, aroma, charme e sensualidade. Tudo muito moderado, muito sutil e quase sempre com a vantagem da cumplicidade.

O papo está bom, mas já passou de uma página, hora de parar. Espero que perdoem minhas omissões, os dias em que não estava muito a fim, ou que sai cedo demais dos bares da vida por causa de algum aniversário. Sei que não preciso pedir perdão aqui pelos dias em que eu não bebi por estar de ressaca, nem pelas brincadeiras com a turma, sempre feitas sem intenção de magoar.

Espero que me imponham uma penitência tanto pesada quanto líquida, mas que seja, também, geladíssima. Em caso de destilados, que a coisa comece com um litro zerado, e gelo de boa qualidade. Estou pronto para o que der e vier, mandem daí e dou meu jeito daqui.


Pedro Altino Farias, em 10/06/2012

 
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domingo, 3 de junho de 2012

Politicamente (In)Correto



Éramos felizes. Mais felizes, melhor dizer assim. O “politicamente correto” dos dias de hoje tirou a espontaneidade da expressão e censurou a linguagem quando o que se queria dizer era exatamente aquilo, com aquelas expressões: cego, aleijado, retardado, nego, velho... Perdeu-se a ênfase, o transbordamento da ideia.

Antes desse novo e maldito tempo em que vivemos, quando a vida era mais ou menos como ela era de fato, aconteceu um episódio que agora vou narrar, sem pedir licença nem perdão a quem quer que seja, pois foi assim que ocorreu.

Saí um dia do trabalho e fui tomar uma cerveja num bar próximo. O estabelecimento, quatro metros e meio de largura, duas portas, sem recuo frontal ou lateral, era uma casa estilo antigo feita de bar. Entre o balcão e a entrada, espaço apenas para três mesas daquelas de flandres, além do balcão.

Ao adentrar a casa me deparei com João Ricardo, caboclo tão parrudo quanto ingênuo, numa das tais mesas. João era responsável pela manutenção das máquinas da empresa em que eu trabalhava, prensas e caldeiras dentre outras. Serviço pesado.

Ele, que tinha à época uns cinquenta anos, puxava da perna direita devido a uma paralisia, e por isso era conhecido por “João Perneta”. Mesmo assim dava conta de suas tarefas sem uma reclamação sequer.

Ao chegar ao bar vi João tomando uma bebida, e seguiu-se uma conversa mais ou menos assim:
- O que tu tá bebendo, João?
- Cachaça com Coca-Cola.
- O que? Cachaça com Cola-Cola? Isso é bebida de viado, porra! Se manca, bicho!! Homem que é homem bebe cachaça é pura, João!

E deixei João lá na mesa, sozinho com sua birita, enquanto tomava minha cerveja e conversava com um ilustre desconhecido que acabara de chegar. Ao sair, deparei-me com nosso tolo amigo, agora bebendo cachaça pura, e...
- O que tu tá bebendo agora, João?
- Cachaça pura!
- E tu é baitola é, homem? Só porque eu disse que tomar cachaça com Coca-Cola é coisa de viado tu foi tomar ela pura? Tu num tem gosto nem opinião não é? Acabe com isso, João, se você gosta de beber cachaça com Coca-Cola, então beba! E não se importe se lhe chamarem de viado. Putaquipariu, João!
- Que saber de uma coisa? Eu num tô entendendo mais é nada. Vou s’imbora que moro no Pirambu (bairo pobre de Fortaleza) e quando chegar em casa inda vô ter que guentar desaforo da muié...
- O que? E ainda por cima é babaca, barriga branca?...

Pedro Altino Farias, em 25/06/2012


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