segunda-feira, 9 de maio de 2011

Tradição Quebrada



O espaço é mínimo, o suficiente apenas para duas poltronas antigas, umas quatro cadeiras para espera e um pequeno banheiro. À frente das poltronas, um balcão de fórmica acomoda produtos, brochas, escovas, navalhas, pentes e tesouras utilizadas pelos dois barbeiros, que são parceiros no negócio há anos.

A calçada é o único elemento que separa a movimentada rua asfaltada do primeiro posto. Vez por outra alguém para com seu automóvel e pergunta: “Dá certo às seis?”, ao que o veterano profissional responde: “Tô com três cabelos, passe amanhã que dá.”. Antes de ouvir a resposta, o freguês já entende o “não” e arranca em primeira marcha, aproveitando o sinal verde, calando as impacientes buzinas que soaram à sua parada.

Raramente a sorte baixa e consegue-se cortar o cabelo sem grande espera. Entre um corte e outro o barbeiro pede licença para beber “água”, e vai a um botequim vizinho, voltando rapidinho, pronto para mais um corte, às vezes ainda fazendo careta.


O ambiente é simples. Um grande rádio “portátil” repousa sobre o balcão. Embrulhado num saco plástico, combina com as poltronas antigas e cadeiras capengas. As paredes, sem ver pintura nova há tempos, casam bem com o grande e desengonçado ventilador de teto, que espalha picotes de cabelo pelo ar. A conversa despretensiosa que rola no ambiente, somada ao cenário, remete a barbearias de pequenas cidades do interior.

E foi nessa barbearia que cortei meu cabelo nos últimos vinte anos. Uma tradição! Chegava, cumprimentava a todos e aguardava ser atendido lendo revistas mais que surradas. Para mim do jeito que estiver está bem. Detesto cortar cabelo. Nunca gostei. Na minha vez, sentava na poltrona, e em poucos minutos, bem ou mal, tudo estava resolvido.

Trabalhava lá próximo, o que facilitava o acesso. Depois meu ofício exigia deslocamentos pela cidade, e, sempre que necessário, acomodava a agenda de modo a passar pelo local. Ultimamente, trabalhando longe, havia se tornado um verdadeiro suplício manter esse hábito devido ao trânsito caótico e ao pouco tempo disponível. Insisti mais uma vez, e mais outra. Os engarrafamentos no percurso, cada vez mais insuportáveis, sempre me faziam pensar.

Um dia desses olhei atento para um salão moderno, que fica no meu trajeto trabalho-casa. Anotei o telefone e guardei. O cabelo ansiava por um corte, mas adiei o quanto pude. Enfim, desisti, rendi-me, capitulei, pedi arrego e joguei a toalha. Liguei para o dito salão, avisando que em dez minutos estaria lá. Com cabeleireiro disponível (aqui se suprime a figura do barbeiro), a operação foi rápida, porém não indolor, pois naquele momento mais uma tradição foi por terra, engolida pela selvageria da cidade, e por uma vida sem tempo para perder tempo com o que se preza e gosta.



Pedro Altino Farias, em 09/05/2011

Um comentário:

  1. Pedro,
    A vida moderna é assim,sempre querendo quebrar tadições ,vamos em frente.
    Concita

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