terça-feira, 18 de outubro de 2011

Mania de Limpeza




Tinha mania de limpeza. Tudo dele era muito bem limpo. Qualquer indício de impureza o exasperava. Mas não era em relação a tudo, somente a comidas e bebidas.

Limitava-se a frequentar bares e restaurantes conhecidos. Uísque somente em copo baixo e largo, assim como para cerveja e chope, copo americano e caneca, respectivamente. “Como é que eles lavam o fundo de um copo fininho assim?”, perguntava com ar de nojo, referindo-se aos copos altos e longos do uísque, e às tulipas, no caso de cerveja e chope.

Certa época a família de sua esposa passou por turbulências. O patriarca havia falecido, e não houve consenso imediato em relação à partilha dos bens entre herdeiros. Um cunhado foi o pivô da desavença, por conta disso passaram algum tempo afastados.

Depois de muito vai e vem, enfim, vieram as pazes. Todos sorriam felizes e precipitaram uma reaproximação da família, como numa ânsia de ver efetivamente sacramentada a trégua. Para tanto, combinaram um almoço que reuniria todos numa só mesa. Recomeçaram os problemas.

Um queria num dia; outro, noutro. Almoço ou jantar? Outro impasse. Neste ou naquele restaurante? Ih...! O tal cunhado era osso duro de roer, e sempre queria que sua vontade prevalecesse. Mas nosso protagonista estava firme, e não cedia centímetro sequer. Um novo abismo começou a surgir aos pés da família, ficando uns de um lado, outros, doutro. Até questões já resolvidas começaram a ser revistas.

Diante de caos iminente, a esposa, ciente de seu papel pacificador, conversou com o irmão e com o marido. Um cedeu numa coisa, outro noutra. O marido escolheu dia e hora; o cunhado, o restaurante. Então ficou assim: uma feijoada no almoço de sábado em tal restaurante. O marido relutou, pois o local onde se situava a casa indicada levantava certa suspeita em termos de qualidade, mas acabou cedendo.

E chegou o grande dia. Todos lá, felizes (talvez nem tanto), tomando umas cervejas, conversando e relembrando as coisas boas do falecido. Enquanto isso as crianças brincavam num parquinho. Hora do almoço, pedido feito. Logo que o garçom repousou a feijoada na mesa, nosso maníaco por limpeza observou que restaram alguns pelos num pedaço de couro do suíno. Neste momento seu estômago revirou, a vista escureceu, a saliva jorrava em sua boca... Repugnância, náuseas! Mas ele não podia se dar por vencido diante do oponente, então reuniu suas últimas forças, resgatou uma ironia ácida do fundo das entranhas, e bradou ao garçom que já se afastava da mesa: “Garçom! Mais uma cerveja gelada e dois barbeadores descartáveis, por favor!



Altino Farias
altino.frs@gmail.com

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