domingo, 24 de maio de 2015

Graças a Deus!


Um fio, uma agulha: difícil passar um por outra. Nova tentativa frustrada. Afinou o fiapo de linha com saliva, e mesmo assim não conseguiu. Olhos gastos, mãos trêmulas, pensar distante.

Iria cerzir roupas do filho que, desempregado, procurava nova oportunidade de servir a um senhor e precisava boa apresentação. Sem grana para roupas novas, o jeito era arrumar as que tinha. E ela estava ali para isso. Mais uma vez dentre tantas. Aliás, por toda a sua vida.

Enfim, linha na agulha, e logo um dedo furado. Não usava dedal há tempos. Até antes mesmo de o falecido partir para outra. Mais um costume que ficara para trás. Sangue!

Parou. O sangue trouxe-lhe à memória uma porção de acontecimentos. Coisas da vida de todo mundo, de qualquer um, nada especial.  Lágrimas! O tempo ficou congelado por alguns instantes.

Sangramento estancado com o cuidado de não manchar a roupa a consertar, o trabalho seguiu em frente. Um ponto aqui, uma lançada ali, uma aparada em fios soltos, mais um jeitinho de mãe, um leve sorriso. Pronto!

Foi dormir com a ponta do dedo um pouco dolorida, mas nem lembrava mais da agulha a lhe perfurar a pele, apenas queria sonhar com um novo e lindo dia, ainda que a própria vida lhe estivesse por um fio.

Mais uma manhã por vir. Preocupações, pequenas alegrias, dores, limitações, lembranças e mais um “graças a Deus”. Quem sabe teria o privilégio a mais um dia completo, com direito a agulhas a lhe furar as pontas dos dedos e cerzidos perfeitos.


Pedro Altino Farias, em 24/05/2015
ATENÇÃO:
Os textos deste blog estão protegidos pela lei nº 9.610 de 19/02/1998. Não copie, reproduza ou publique sem mencionar os devidos créditos.

quarta-feira, 20 de maio de 2015

O Homem Rolha



Natural e residente em Fortaleza, dezenove anos, um metro e sessenta e pouco, cento e dez quilos, acadêmico de engenharia, foi passar férias com a família. O pai, coronel do exército em fim de carreira, fora enviado a servir numa cidade do Paraná fronteiriça com o Paraguai, talvez como punição por ser da linha do direito e da correção, quem sabe...

Chegou numa sexta já tarde. Acordou no sábado pelas oito e tanto, tomou um café reforçado e saiu a fazer um reconhecimento da pequena cidade. Frio, o clima estava convidativo a tomar umas. Tranquilo e bonachão, não tardou a fazer um novo amigo aqui, outro ali, e as horas foram passando, passando, somadas às doses que bebia, bebia.

Começo de noite, todos aguardavam o ilustre e querido visitante para um jantar em família. Mãe morrendo de saudade, irmãos mais novos querendo saber das últimas, pai ansiosamente contido. E nada do cara! Mais um pouco, enfim, e o homem chegou. Bem “alegre”, por sinal. Pediu que esperassem um pouco mais, pois precisava tomar um banho rápido. Todos assentiram.

Casa de dois pavimentos, o banheiro social ficava no piso superior, ao lado da escada. Ele  regulou a temperatura do chuveiro a gosto e pronto, o banho seria perfeito!

Mas todos começaram a se impacientar com a demora do banho. “Deixa, ele vem já”, contemporizou a mãe. Os irmãos começaram a achar o mais velho um folgado, e o pai, desrespeitoso. Grande expectativa.

De repente, começou a escorrer água pelo vão da escada, pingando vigorosamente num aparador da sala de estar. O caçula foi quem chamou a atenção de todos para o fato, e foram ver o que estava ocorrendo: pai, mãe e irmãos.

Subindo, deram conta de que o aguaceiro vinha do banheiro social. Porta trancada, chuveiro aberto, água corrente, mas o visitante não atendia aos chamados dos familiares. Estaria ele passando mal? Mãe em pânico, irmãos apreensivos, pai desconfiado, o jeito foi por a porta abaixo para saber o que estava ocorrendo.

Porta escancarada à força, banheiro aberto, e lá estava ele, dormindo candidamente sentado ao chão do box, enquanto o chuveiro lhe massageava o corpo com uma água tépida. A situação já não seria favorável ao visitante se só assim fosse, mas piorou bastante ao assentar seu gordo glúteo em cima do ralo de escoamento de água, vendando-o e provocando uma grande inundação. Resultado: a ira do rigoroso pai, uma leve pneumonia e retorno antecipado à terrinha de Alencar.



Pedro Altino Farias, em 17/05/2015

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domingo, 10 de maio de 2015

ALTINIANAS III


Olhe para trás: 
Erros e acertos passados podem fazer você mudar seu rumo;

Olhe para frente: 
Assim você poderá mirar seu objetivo;

Olhe para cima: 
E perceberá a grandeza do universo;

Olhe para baixo:
Isso evita que você tropece em si mesmo.

Portanto, esteja sempre atento. Em todas as direções. 


22/12/2014

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No bar a gente paga somente a comida e a bebida; 
a diversão é totalmente grátis! 

14/12/2014

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Se extraterrestres tentarem lhe abduzir, não resista, afinal, 
eles não vieram de tão longe para perder a viagem 
por causa de um simples esperneado seu. 
Então, relaxe e reze para que eles sejam da paz e do amor. 

01/12/2014

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Às vezes é preciso entender que, por mais que façamos, amanhã será outro dia. Nessas ocasiões o lance é deixar rolar... 


27/11/2014

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Aprenda a dizer não. Muitas vezes, ao dizer “sim”, negamos o “não” a nós mesmos, e isso é muito grave. 
O “sim” e o “não” são universais e democráticos. 
Usufrua deles sem pudor sempre que precisar.


08/11/2014

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Assumir o risco é assumir a si mesmo. 
É nessa hora que saberão quem você é.


05/11/2014


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Falando em tempo, dia desses vou voltar ao passado 
para acertar umas coisinhas por lá... 

03/11/14

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Errar uma vez ou outra é humano. 
Errar sempre é burrice.
Acertar uma vez ou outra é humano. 
Acertar sempre é coisa do diabo. 


19/05/2010


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Recentemente descobri que nem tudo 
que acontece nesse mundo é por culpa minha. 
Quando soube que o buraco na camada de ozônio 
é obra do gás carbônico, ufa!!


08/09/2014 

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Quando a mulher ataca, 
ele o faz verdadeiramente e sempre com razões. 
Quando o homem ataca, na verdade ele está na defesa, 
pois a culpa está na sua própria essência de ser. 
Ela está grudada nele até mesmo antes do nascimento. 


01/08/2014

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No ir e vir diário, mantenha-se sempre à direita. 
É o certo, mais seguro, você evita problemas 
e ainda chega mais rápido ao seu destino / objetivo.


05/08/2014


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Deixar passar é saber ganhar “perdendo”. 
O tempo e a experiência ajudam bastante nesse exercício incessante, infinito, mas, mesmo assim, ainda erramos.


02/07/2014

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Benéfica, a boa leitura é sempre positiva para quem pensa, 
para quem quer pensar e até para quem pensa que pensa.


05/08/ 2014


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A melhor maneira de não ser enganado 
é nunca acreditar em ninguém. 
Esta também é a maneira mais fácil de se viver 
imerso em grande solidão.


26/08/2014

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Em tempos de marginália à solta e banalismo da violência, 
vale atualizar o antigo ditado para: 
vão-se as alianças, ficam os casamentos.



15/09/2014

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Quando, num casal, um acha graça do bum do outro, 
é sinal de que a cumplicidade está presente.


26/09/14


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Alguém já disse: ou você é você mesmo ou será outra pessoa.


15/10/2014


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Esqueça o anzol, nade com os peixes!


10/05/2015



quarta-feira, 6 de maio de 2015

A Enorme Utilidade das Coisas Inúteis


Era uma caixa de papelão. Uns quarenta centímetros de largura por cerca de sessenta de comprimento e outros quarenta de altura. Dentro dela, documentos em papel guardados há anos. Autênticas preciosidades de valor apenas estimativo.

Depois de anos e anos adormecida, precisou dos documentos da caixa, mas... Cadê a danada? Procurou em todas as dependências de seu espaçoso apertamento de 90m². Nada! Novo rolezinho no apê, e nada de novo. Entrou em depressão. Brincadeiras à parte, aqueles documento representavam um parte de sua história, sentimentos inclusos. Afinal, quem poderia ter extraviado a caixa? Quem?

Ela não tinha atrativos. Era de papelão e velha. Dentro, pastas, também de papelão, igualmente envelhecidas, nas quais repousavam os tais documentos, estes mais antigos ainda. Tudo meio empoeirado, com certeza não chamou atenção de ninguém por suposto valor monetário que justificasse um furto. Excluída a possibilidade de furto, e de reencontrá-la, somente restou uma hipótese: lixo!

Mas como? Por que? Pôs a refletir sobre o assunto e chegou a uma conclusão. Provavelmente, alguém de casa, que desconhecia o valor do conteúdo da caixa, pensou estar fazendo um favor arremessando a dita cuja ao lixo para nunca mais. O objetivo da desova era dar lugar a algo completamente inútil, mas que precisava urgentemente ter um lugar somente seu naquele resumido apertamento.

Inutilidade guardada, a vida seguiu em frente até que se deu por falta do legítimo ocupante daquele mísero lugar no armário do hall. Tarde demais! A inutilidade, enfim, havia revelado para que servia: tomar o lugar de algo útil. Infelizmente a inutilidade guardada não conseguiu ocupar o mesmo lugar no coração daquele que perdeu para sempre um pouco de sua vida. Infelizmente.


Pedro Altino Farias, em 21/01/2014 – O dia em que a caixa se foi. 


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segunda-feira, 4 de maio de 2015

TENSO!


Tarde de domingo, pleno carnaval, resolveu voltar para Fortaleza, distante cento e quarenta quilômetros de sua casa de praia. Estava tudo bem, com filhos e parentes curtindo a temporada de Momo à beira mar, mas como sua mulher não pode estar presente, ficou tudo meio sem graça. Por isso decidira voltar.

Bebera um pouco durante o dia, e tinha o receio de que uma blitz o penalizasse após o temido bafômetro acusar os mais tênues traços de álcool em seu sangue. E as informações eram de que pelos menos duas barreiras da Polícia Rodoviária se interpunham entre ele e seu destino.

Assim, viajou tenso, à baixa velocidade e atenção redobrada, embora tivesse feito contato com um amigo oficial da polícia que o tranquilizara: “Se lhe pararem numa blitz, não faça nada antes de ligar para mim!”.

Completamente sóbrio, talvez tecnicamente embriagado, escapou da primeira blitz... E da segunda também, quilômetros adiante. Mas ninguém gosta de dirigir naquele horário de seis da tarde. E é péssimo mesmo. Por isso nosso amigo continuava tenso, muito tenso. E ainda preocupado com a possibilidade de ser surpreendido por mais uma blitz.

Já próximo do destino, contornou uma grande rotatória devagar, tomou a saída correta e, de repente, uma vaca à sua frente, bem na margem da estrada, dando a impressão de que atravessaria a pista incontinente. Fechou os olhos e freou forte. “Vou bater!”, pensou num relâmpago. 

Veículo imóvel no meio da estrada, o suor frio escorrendo por suas têmporas, foi abrindo os olhos devagar. Observou em volta buscando o atrevido animal quando, enfim, se deu conta de que se tratava apenas da reprodução de uma vaca em tamanho natural posta defronte de uma modesta churrascaria como chamariz. Sóbrio, é? Eu sei...


Altino Farias, em 28/04/2015
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