terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

A Enjoadinha


A viagem continuou, apesar das náuseas e vômitos. Cada solavanco da camionete por aquela trilha esburacada produzia nela uma revolução: a vista escurecia, a cabeça doía, o estômago embrulhava, a saliva inundava sua boca. Mal estar? Que nada, ela queria era morrer!


A cada curva, a cada lombada, renovavam-se as esperanças dela de encontrar trecho melhorzinho, mas o que se via eram estradas precárias a ponto de fazer mula empancar e espantalho se assustar.


Nessa época, e já se vão longos anos, a única orientação nas estradas se dava através de mapas nem sempre precisos, por isso o próximo povoado, onde se poderia socorrer a enjoadinha a bordo da Rural, era uma grande interrogação. Voltar, nem pensar. Nem havia para onde. O jeito era seguir em frente, fugindo do anoitecer, quando o que já estava ruim poderia ficar bem pior.


Para completar o quadro de desolação, estava quente, muito quente. Quente ao ponto de confundir as ideias do mais resistente dos super heróis dos quadrinhos. E a cada lufada de vento quente, subia aquele poeirão. Um suspiro, um gole d’água e... Mais um solavanco. Nem recostar a cabeça, podia a coitada. Quando conseguia falar, dizia somente: “Ainda tá longe, papai?”. Dava era pena de responder.


Chegaram ao próximo lugarejo já à noitinha. Procuraram uma estalagem para passar a noite, porém, sem sucesso. Findaram por dormir de favor numa casa de família, todos apinhados na sala.


No ambiente reinava um cheiro forte de urina e fezes de animal, pernilongos em profusão e mais alguma coisa que incomodava, provocando coceira e vermelhidão na pele. Eram pulgas, descobriu-se depois.


Um barulho vindo de um clube, bar, cabaré ou coisa semelhante, incomodou até tarde. Naquela noite ninguém dormiu, além da nossa doce enjoadinha, que, enfim, pode ter um descanso merecido de tanta chacoalhada.


Logo cedo, o chefe da família cutucou todo mundo e pegou a estrada novamente. Queria ir embora daquele lugar pulguento, onde não arriscara nem tomar a água. Ainda bem que o pior passara no dia anterior. Graças.



Com a aproximação da cidade destino, grande centro urbano, as estradas melhoraram substancialmente, e a camionete agora deslizava de modo suave sobre um pavimento mais regular, que permitia ao veículo desenvolver maior velocidade ainda com conforto considerável. E nossa menininha, antes tão enjoadinha, agora sorria e brincava com os irmãos sob o olhar atento da mãe. Distraída, nem perguntava mais: “Ainda tá longe, papai?”




Pedro Altino Farias, em 21/01/2012
altino@pelosbaresdavida.com.br


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2 comentários:

  1. Pedro,muito boa essa narrativa,bem detalhada lembrando a nossa enjoadinha....
    Você é um ótimo memorialista.
    Concita

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  2. Pedrinho,

    A descrição das condições e intempéries daquelas aventuras de outrora são tão reais que já fiquei enjoada.
    Que estalagem aquela heim? Daria tudo para não voltar lá!

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