quarta-feira, 20 de abril de 2022

ROTA DA CACHAÇA - FORTALEZA

 

Nos anos 60, 70 e até meados dos anos 80, o estado do Ceará tinha uma grande diversidade de rótulos de boas cachaças, produzidas em várias regiões do estado. Adolescente nessa época, e já iniciado nas atividades etílicas, tive o prazer e a satisfação de beber de boa parte delas. Nesse tempo, porém, o consumo de cachaça era restrito a pequenos bares e mercearias de bairros, periferia da cidade e municípios do interior, além do consumo doméstico entre amigos. Em bares e restaurantes ditos chiques, sua presença era vetada.

Nos início dos anos 80, um produtor de Acarape, então distrito de Redenção, distante cerca de oitenta quilômetros de Fortaleza, resolveu ousar, “sair da caixa”, e lançou campanhas publicitárias de excelente qualidade, associando sua cachaça, a Chave de Ouro, à elegância e sofisticação. Aviões executivos, carros importados esportivos e luxuosos, lindas paisagens e modelos igualmente bonitos, compunham as peças publicitárias ao lado da cachaça. Não satisfeito, e o empreendedor nunca está, lançou uma marca top de linha, a Tonel 21, com aromas, sabores e embalagem exclusivos. Ainda não satisfeito, abriu uma loja própria em local nobre, onde servia suas cachaças acompanhadas de frutas, caldinhos e outros mimos, que fazem a festa dos admiradores de uma boa pinga. O local era muito bem decorado e confortável. Copos, louças, talheres, guardanapos, tudo de alta qualidade e bom gosto. Mesmo muito jovem ainda nesse tempo, essa ousadia nunca saiu da minha cabeça. Infelizmente essa destilaria teve suas operações suspensas no auge do sucesso, senão seria umas das maiores atualmente.

Nesse tempo a cachaça não tinha um bom valor agregado, e os produtores do setor, e seus descendentes, foram se desinteressando pela produção, dedicando-se a outras atividades. Então, as grandes destilarias cuidaram de, rapidamente, preencher esse espaço, colocando no mercado do Ceará produtos de baixo custo e valor. Com isso assistimos praticamente ao desmonte de toda a nossa indústria de cachaça de alambique. Mas alguns teimosos resistiram. Ainda bem!

De uns tempos para cá os horizontes da cachaça se expandiram. A bebida passou a contar com uma legislação específica, produtores se organizaram em associações para procurar uma incessante evolução da qualidade e melhor colocação no mercado. Ao ser apresentada de forma mais atual e com uma boa comunicação visual, onde “qualidade” é a chave, a cachaça vem ganhando um novo e exigente público, com as portas de bares e restaurantes elegantes abertas à ela.

Essa movimentação despertou nosso pessoal aqui do estado, e muita coisa boa vem acontecendo, com produtores informais procurando regularização, busca de conhecimento para o aperfeiçoamento da produção, busca de novos mercados, premiações internacionais.

Enquanto isso, o secretário de turismo do município de Fortaleza, Alexandre Pereira, e sua equipe, vinham trabalhando com a ideia de sair um pouco daquele turismo estático de visitar monumentos e pontos históricos da cidade, procurando meios de proporcionar ao turista novas experiências, vivências diferentes em nossa cidade. Atento à essa movimentação em torno da cachaça no Brasil e em nosso estado, e sendo ela a bebida nacional por excelência com fortes raízes na cultura do nosso estado, tornou-se alvo fácil da Turismo.

Por esse motivo fui procurado há mais de três anos pelo sr. Secretário e sua equipe para, juntos, desenharmos um projeto turístico envolvendo experiências com cachaça, projeto esse que teve seu desenvolvimento interrompido no período da pandemia.

Passado o período de restrições, retomamos o trabalho com várias rodadas de reuniões. Batizado de “Rota da Cachaça”, chegamos a um esboço do projeto: casas devidamente capacitadas seriam indicadas aos turistas, ou interessados em ter experiências com cachaças, num roteiro livre. Esses estabelecimentos deveriam oferecer combos de cachaças harmonizadas com petiscos em condições especiais, e disponibilizar profissionais prontos para um atendimento personalizado, tirando dúvidas e fornecendo informações e curiosidades sobre a bebida. Já trabalhar a cultura da cachaça seria um pré-requisito básico.

O passo seguinte foi a seleção das casas participantes. Nessa fase convidamos quatro casas a participarem, além da Embaixada da Cachaça: Cantinho do Frango, Giz Boemia, Raimundo do Queijo e Arupemba/Pirata. Todas toparam de imediato! Essa seleção foi feliz porque procuramos contemplar casas em bairros diferentes, com concepções diversas, propiciando abordagens diferenciadas da cachaça e, consequentemente, experiências únicas para os turistas e interessados em geral em cada bar/restaurante. Então, vejamos:

A EMBAIXADA DA CACHAÇA, que fica no bairro Joaquim Távora, funciona como loja e bar. O foco exclusivo da loja é a cachaça, com cerca de 400 rótulos de vários estados brasileiros. No serviço de bar a cachaça também é destaque com 10 tipos de combos para experimentações, além dos rótulos ofertados em doses, que são servidas geladinhas. Gorette, sócia e gerente da loja, está sempre à disposição para um bom papo sobre cachaça, e a indicação do rótulo certo para a ocasião e gostos certos. Eu sempre estou na área, e atendemos pessoalmente a todos os interessados.

Localizado no bairro Aldeota, a cachaça sempre foi tradição no CANTINHO DO FRANGO, um complexo que reúne bar, restaurante, loja de discos, barbearia e espaço para apresentações musicais, que privilegia artistas da terra. A carta da casa conta com mais de 400 opções e tem uma atenção toda especial do Caio Napoleão, proprietário do estabelecimento.

No Centro, coração da cidade, próximo ao Mercado Central, está o RAIMUNDO DO QUEIJO, uma mercearia especializada em queijos e produtos da terra como castanhas de caju, doces, paçoca, etc. Com um ar bucólico, meio interiorano, a vida ali parece passar mais devagar, lugar ideal para experimentar uma boa cachaça, sem pressa, e com uma boa prosa com o Seu Raimundo ou com o Adriano, seu filho, ou mesmo com outros frequentadores.

O GIZ é mais recente. Um barzinho transado, bem atual, muito bem decorado, com cozinha e serviços excelentes. Localizado no Meireles, bairro nobre, tem uma frequência bacana. O Giz já nasceu com uma excelente carta de cachaças, da qual, aliás, eu sou responsável pela maioria das indicações. Música boa e gente bonita completam a casa.

De frente para o mar, na encantadora Praia de Iracema está o tradicional PIRATA BAR/RESTAURANTE ARUPEMBA. A casa, que recebe uma multidão de turistas de todos os lugares, é famosa pela melhor segunda feira do planeta, com uma programação musical regional com forte pegada no forró. A cozinha nordestina e a cachaça, obviamente, não podiam faltar no seu mix cultural.

Tudo alinhado com os estabelecimentos participantes, treinamento de pessoal realizado, hora dos detalhes finais. Há um cardápio da Rota comum das cinco casas, com imagens de seus combos, mapa de localização, e mais algumas informações. Quem consumir um ou mais combos ganha um copinho shot personalizado da ROTA DA CACHAÇA com a logo do estabelecimento. Quem fizer o circuito completo, terá uma linda coleção de cinco copinhos... E muita história para contar.

Para quem não sabe, quinta feira em Fortaleza é a “Quinta do Caranguejo”, na qual muitos bares e restaurantes oferecem essa iguaria ao público. Justamente por ser um dia mais tranquilo em termos de movimento, elegemos a quarta feira para esse atendimento específico da Rota da Cachaça. Daí para se criar o mote “Quarta da Cachaça” foi um pulo. Claro que turistas e interessados poderão ter esse atendimento todos os dias da semana, conforme o horário de funcionamento de cada estabelecimento, mas na quarta...

Nossa cachaça é tão boa, tem uma receptividade e empatia por parte do público tão intensa, que com certeza esse projeto será um sucesso, e irá chacoalhar as noites de quarta em Fortaleza. Interessante notar que o Rota da Cachaça é baseado praticamente em atitudes, pois o investimento necessário foi mínimo. “Pensar diferente, querer fazer, fazer acontecer”, essa lição é a “chave de ouro” que ficou para mim nessa maravilhosa, emocionante e transbordante aventura que é fazer Rota da Cachaça.

Esse é o pontapé inicial de um programa ambicioso. Muita coisa mais foi pensada, mas com um passo de cada vez (ou um gole de cada vez) a gente chega lá. Parabéns Ao sr. Secretário de Turismo, Alexandre Pereira, pela inciativa, à Tina e toda a sua equipe, que estiveram à frente do projeto desde o início e souberam captar como ninguém sua essência. Meu agradecimento pessoal pelo convite a participar desse projeto, que já vejo vitorioso, desde o início, à ABRASEL pelo apoio, e aos colegas participantes pela parceria. 

Saúde a todos e boas doses!

Pedro Altino Farias, em 20 de abril de 2022

quinta-feira, 14 de abril de 2022

Olhares Fortaleza - Aniversário de 296 Anos


Esse é o olhar diferente da nossa amiga Rachel Oliveira Alves, autora da foto que ilustra essa postagem: a Praia de Iracema e Beira Mar emolduradas pelas estruturas da Ponte Velha. Qual o seu?

Nossa Fortaleza fez aniversário nesse 13 de abril, e pergunto: com que olhares você a vê? Com a severidade de quem habita uma cidade violenta e carente de serviços públicos eficientes, ou com a benevolência de quem usufrui do que ela lhe proporciona de bom, fechando os olhos para seus defeitos e mazelas? Você a vê representada pela micro região que habita, ou a percebe por inteiro, com todos os seus bairros, moradores, costumes e atividades sociais, econômicas e culturais?

A verdade é que Fortaleza se tornou uma metrópole há anos, e muitas vezes a vida louca e a rotina estressante não nos dão chances para lançarmos olhares diferentes para nossa cidade, explorando-a por diversos ângulos, prazeres, vontades e deveres de cidadão.

Agora chegamos ao ponto. COM QUE OLHARES FORTALEZA NOS VÊ? Como cidadãos egoístas, que criticam os gestores públicos, e vivem “muito bem, obrigado”, num universo particular, sem se “misturar” com o cotidiano da cidade, ou como pessoas abertas e participativas que se “espalham” por aí numa sede de viver Fortaleza com todos os seus encantos e uns tantos desencantos? Contentamo-nos em ir ao shopping e barzinhos da moda com os amigos de sempre, ou transitamos a pé pelo centro, feiras e mercados dos bairros, interagindo com quem aparece à nossa frente, aproveitando cada espaço para aprender mais um pouco sobre nossa cidade e fazer novas amizades?

Precisamos ter olhares múltiplos para Fortaleza. Temos que ser os juízes que condenam, os poetas que sonham, os sábios que planejam, os gestores que executam, os bêbados que alegram as ruas, os artistas que a cantam nas mais diversas formas de expressão cultural. Nós, cidadãos, precisamos ter esses olhares, porém, muito mais que isso, nossa Fortaleza anseia, e precisa, que os tenhamos para que ela possa continuar sendo, cada vez, mais a nossa bela “loura desposada do Sol”, de Paula Ney.

Pedro Altino Farias, em 13 de abril de 2022