quarta-feira, 26 de setembro de 2012

O Cachorro do Vizinho



O cachorro do vizinho, olhos esbugalhados e babando, avançou naquela jovem e gostosa senhora que mora na 777.  Ela se assustou, e, agindo por reflexo e sentido de auto defesa, conseguiu se desvencilhar do agressor, correndo para sua casa, onde permaneceu trancada até passar o susto e certifica-se que o perigo também cessara.

Ligou para o marido, que viajava a trabalho, para contar o que ocorrera. De onde estava ele ficou muito puto, prometendo retornar o mais breve para tomar satisfações com o vizinho.

Vizinhança é negócio complicado. O cachorro do vizinho já havia incomodado a gostosona outras vezes, e todos comentavam, mas fazer o que? Afinal, nunca havia avançado de fato em ninguém como acabara de fazer.

Chegando, o maridão foi direto ter com o vizinho. Ao abrir o portão e adentrar a varanda da casa ao lado, ouviu apenas uns latidos vindos lá de dentro. Bateu na porta, e nada! Somente uns latidos encabulados.

Voltou horas depois. Desta vez obteve sucesso, pois o próprio vizinho o atendeu. Sorte de um, azar de outro. O maridão não esperou nem por um cumprimento, e foi logo esbofeteando o cara. Enquanto metia a mão, cuspia-lhe xingamentos e impropérios os mais cabeludos. Sem chance de defesa, o vizinho apenas balbuciava algo enquanto  tentava, inutilmente, livrar-se dos socos e tapas.

Ao fim de poucos minutos, e algum sangue, a fatura estava liquidada e, afinal, pôde-se ouvir o que o maridão dizia àquele homem, agora reduzido a trapo: “Olha aqui seu cachorro, se tentar agredir minha mulher de novo, ou qualquer outra aqui da vila, te capo!”.

Enquanto isso, Fanny, o poodolzinho simpático do vizinho, assistia a tudo deitado no mosaico frio do terraço, balançando o rabo contidamente. Olhando a expressão do animalzinho, podia-se imaginar o que ele pensava: “Até que enfim!”.



Pedro Altino Farias, em 24/09/2012

ATENÇÃO:
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quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Deus Poseidon x Deusa Moda




Quando aquela mulher adentrou o mar para se banhar, Poseidon, conhecido por outros como Netuno, observou-a de longe. Seus cinquenta anos forjaram seu caráter e endureceram sua disposição para a luta. Mas, ao mesmo tempo, tornaram seu coração mais doce, seu sorriso mais meigo e seu olhar mais sábio... Por tudo isso, Poseidon, deus absoluto dos mares, concluiu: Que bela mulher!

Mas o grande deus ficou triste ao perceber que os cabelos dela não possuíam ondas como seu imenso oceano. Ou melhor, que elas haviam sido caladas, subjugadas por alguém sem escrúpulos. Imediatamente, empunhando seu tridente, ordenou a milhares de ajudantes: “Vão lá, peguem fio por fio dos cabelos daquela mulher, e refaçam-nos como antes. Devolvam-lhes a leveza dos movimentos de uma lula, a vida e harmonia de um cardume de peixinhos coloridos, a naturalidade de seus cachos como se algas marinhas fossem. E ondas, quero todas suas ondas de volta!”.

Seus súditos de pronto obedeceram e, enquanto a mulher se banhava, deixando que o mar lhe acariciasse o corpo inteiro com suas águas tépidas, eles trabalhavam rapidamente, fio por fio, conforme o recomendado, devolvendo movimento, vida e beleza àquele cabelo tão sofrido e sufocado.

Quando ela por fim deixou o mar, Poseidon ordenou também ao vento que percorresse cada um daqueles fios para secá-los e, assim, realçar sua força e dar-lhes volume, imponência. O Sol, que estava meio escondido, assistindo à cena lá de cima, dirigiu a ela seus melhores raios para devolver-lhes a energia perdida, o vigor, a independência. Pronto!

Satisfeito, Poseidon chamou os seus de volta, agradeceu ao vento e ao Sol pelo auxílio, e recolheu-se às profundezas do seu oceano, às suas ondas eternas.

Retornando às suas atividades no nosso mundo moderno e maluco, aquela bela mulher caiu novamente, incauta, nas vontades da super poderosa deusa Moda, que, de imediato, ordenou ao deus Secador e à deusa Escova que desfizessem o trabalho que seu rival acabara de realizar. E lá se foram aquelas ondas flutuantes, aqueles cachinhos balançando ao vento... Lá se foi a vida. Vendo aquilo, Poseidon bradou furioso do fundo do mar. Tão alto foi seu rugido, que, dizem, foi ouvido até na mais alta e distante montanha que já se viu. É... Deusa Moda que se cuide!


Pedro Altino Farias, 18/09/2012

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quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Náufrago


Abruptamente tombou na água gelada e agitada. O susto foi seguido de enorme pânico. Querendo permanecer à tona, agitava pescoço, braços e pernas em vão. Cada vez submergia mais naquele universo salgado.

Em pouco, somente via à sua volta um azul imenso e bolhas de ar. Muitas bolhas. O ruído que sua agitação provocava o ensurdecia. Perdeu a noção de onde estava a superfície e a que distância. Viu-se naufragando verdadeiramente, mas ainda lutava.

A essa altura de sua existência, naufragara de várias formas. Como profissional, pai e no convívio social. Esqueceu (ou não sabia) que para manter um relacionamento a dois é preciso bem mais que estar sempre pronto para o sexo. Naufragara como homem, porque a própria vida não poderia naufragar também?

Os movimentos frenéticos de braços e pernas exauriram suas forças rapidamente. Não havia mais ar nos pulmões e seu coração batia em disparada. Engoliu e aspirou água num primeiro instante de vulnerabilidade. Sentiu o gelado invadir seu corpo, que sucumbia em desespero.

Os instantes que se seguiram foram diferentes. Tudo parecia distante, frio, calmo. Braços e pernas moviam-se em câmara lenta. Não sentia mais necessidade de oxigênio. Olhando em certa direção viu um clarão. Pareceu-lhe que era a superfície. Tão perto, mas ele já não estava mais ali...


Pedro Altino Farias, em 24/08/2012

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