terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Prof. Rui Martinho Comenta BBB em Perspectiva

Ao comentar o texto "Big Brother Brasil em Perspectiva" que publiquei aqui, o professor Rui Martinho, que é meu confrade na Academia Cearense de Literatura e Jornalismo, foi buscar as causas e explicações para termos chegado a este estado das coisas, com valores sociais totalmente invertidos... Ou mesmo, pervertidos.



O resultado foi o texto que segue, que publico no "Opinião" com sua dvida anuência. Ao final ainda faço breve comentário de fechamento. Com vocês, Rui Martinho:




Caro Altino,



O que a sociedade brasileira está discutindo, a propósito do BBB, é a moralidade dela mesma. Nós, e de certa forma o ocidente todo, nos tornamos uma sociedade amoral e hedonista.

A dança da garrafinha, já há alguns anos, era estimulada por certos pais que se divertiam vendo filhas, ainda crianças, praticando a dança sensual.

As drogas alucinógenas reinam em todo o ocidente. A explicação é simples: tornamo-nos uma sociedade amoral e hedonista, como dito. É "proibido proibir". Duas guerras quentes e uma fria (com alguns episódios quentes), inflaram a propaganda, dos dois lados, baseada em liberdade e libertação, ao longo do século XX.

O avanço da democracia levou a uma vulgarização e ao alargamento dos conceitos de liberdade e de democracia. Autoridade foi confundida com autoritarismo.

A psicologia e a pedagogia, formas de conhecimento extremamente inexatos e nebulosos, prenhes de ideologia, difundiram a ideia ridiculamente falsa segundo a qual o diálogo é única e infalível forma de resolver todos os problemas enfrentados por educadores. Isso afastaria toda e qualquer forma de disciplinamento, agora estigmatizados como "violência", "desrespeito", ou ação "deformadora e traumatizadora do educando".

Pais, clérigos e professores irresponsáveis, anciosos por mostrarem-se "modernos" (de fato seriam "pós-modernos") e "esclarecidos", movidos pela comodidade (enfrentar rebeldia de filho é desgastante e trabalhoso), aderiram sofregamente aos modismos "politicamente corretos".

A par disso, os aludidos educadores cometeram suicídio moral, adotando condutas que fazem corar até o "frade de pedra" da serra de Uruburetema.

Desmoralizados ou neutralizados os tradicionais gestores da moral, a onda pós-moderna entregou a missão de educar aos artistas, intelectuais e ativistas políticos. Estes "novos gestores da moral" empenham-se em demolir todas as referências morais. Alegam que tais referências "neurotizam", contrariam a "natureza humana", não encontram fundamento em "verdades científicas", invocando ainda o "relativismo" gnosiológico e ético.

O teocentrismo (Deus no centro de tudo) foi substituído pelo antropocentrismo (o homem no centro de tudo), para uns; e pelo cosmocentrismo (a matéria cósmica, com supostas "leis naturais", no centro de tudo), para outros.

Quando o homem "é a medida de todas as coisas", nos termos da filosofia sofista, temos o findos limites. Historicamente isso não deu certo na civilização grega nem na romana. Artistas e intelectuais nunca cultivaram os bons costumes, sendo "gestores da moral" não odem criticar o BBB, salvo quando tenham interesse político em implantar o controle dos meios de comunicação, nos termos da "vontade de potência" (de poder), denunciado por Nietzsche. Aí o temos é um projeto de ditadura dos "politicamente corretos".

O relativismo frouxo, tanto no campo moral quanto epistemológico (teoria do conhecimento), não pode reclamar do BBB, como de resto, não pode reclamar de nada. O homem não seria a "medida de todas as coisas", consagrando a arbitrariedade e a irresponsabilidade?

Os "novos gestores da moral" não sabem como conciliar o relativismo radical com a afirmação das suas próprias "verdades". Quando nenhum conhecimento merece crédito, quando nenhum valor moral tem valor em si mesmo, o relativismo moral e cognitivo também perde o status de verdade, já que tal não existe. Os alegados efeitos deletérios das medidas disciplinadoras, "produzindo neuroses e traumas" também são afirmações mortas (pela doença do relativismo radical).

A alegação de que a educação contraria a natureza, já que estaria em franca contradição com as "pulsões de vida" a que se referiu Freud. Isso, porém, não é relativo? Quando se diga que certas condutas havidas como imorais, pela moral tradicional, contrariam a natureza, não mais ouviremos que o homem não pertence à natureza? Que não existe "natureza humana"? Que o homem é inteiramente "construtuído" historicamente?

Quem está corrompida é a sociedade, não apenas a TV. Médicos fazem intervenções desnecessárias, advogados charfurdam na lama do crime, juntamente com policiais e demais agentes da lei; clérigos; estudantes (que praticam corrupção na UNE e fraude nos trabalhos escolares), fazem lembrar a declaração de Paulo: "todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus" (está numa das cartas, não lembro no momento em qual delas).

A expansão do "bem público" ou "interesse público", submetendo-nos todos ao controle do Leviantã (Estado hipertrofiado) não será solução. Os agentes do Estado também estão corrompidos.

Veja o caso das drogas alucinógenas: a repressão é inteiramente falha, apesar do comércio de drogas, como qualquer outro comércio, ser necessariamente público, do conhecimento de todos.

O nome disso é "corrupção generalizada".

Os "novos gestores da moral", não obstante se declarem relativistas, defendem violentamente dogmas pétreos, em nome dos quais querem regulamentar as relações entre pais e filhos, com a famigerada "lei da palmada"; querem controlar o que nós comemos, proibindo o consumo de frituras; querem nos proibir de ter meios de defesa, alegando que armas são perigosas para quem as tem (isso não é relativo?), declarando-nos incapazes de tomar decisões, de exercermosa guarda de armas e de utilizá-las criteriosamente.

Os "novos gestores da moral" podem ser "politicamente corretos", mas estão muito longe da coerência. Talvez se pautem pela frase atribuída ao Assis Chateaubriand, segunda a qual "a coerência é um atributo dos imbecis". Isso também lembra uma outra frase muito conhecida, esta do meu homônimo Rui Barbosa: "de tanto ver triunfarem as nulidades (...) o homem sente vergonha de ser honesto" (agora seria: de ser coerente). Entre uma e outra, eu prefiro a frase do grande baiano, embora ande me sentindo imbecil.



Prof. Rui Martinho Rodrigues
FACED - UFC
Tel: (85) 3256-2044

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Caro professor Rui Martinho,


Excelente comentário! Você buscou o "X" da questão, a causa de tantas bobagens que rolam impunes por aí, algumas até como coisas corretas e benéficas para a sociedade (vide "lei das palmadas" e outras preciosidades).

Concordo inteiramente com você em suas posições e fundamentações. O problema é bastante complexo, a tal ponto que envolve praticamente todas as sociedades ocidentais em seus vários aspectos.

Gosto de comentar assuntos no blog tendo em mente que meu público leitor é formado por pessoas esclarecidas e de bom gosto (isso é sempre relativo, não é mesmo?). Nesse caso, não cabe discutir o mérito da questão, pois pressuponho que a grande maioria concorda conosco.

Visto que o problema “Big Brother” e congêneres não têm solução à vista, melhor empurrar o lixo para baixo do tapete exibindo-o madrugada adentro e fim. Que os admiradores daqueles “heróis”, os quais invariavelmente aparecem no vídeo seminus e carentes de ideias, fiquem de vigília à espera do seu besteirol diário.

De resto cabe-nos torcer para que essa onda de grandes pensamentos e filosofias idiotas se mostre ineficaz e até mesmo errônea, e o que tem valor de fato volte a ser reconhecido como tal. Tomara que o mundo não acabe antes disso.

Altino Farias

domingo, 29 de janeiro de 2012

Big Brother Brasil em Perspectiva


Nós, os freqüentadores legítimos dos bares da vida, somos preservadores da cultura, da ética e da causa humanitária. Nossas mesas são constantes fóruns de discussão, onde opiniões divergentes convergem na intenção do melhor para nossa sociedade.

Essa troca de pontos de vista se estendeu à internet, ambiente virtual no qual muitas vezes os debates iniciados nas mesas e balcões são continuados e evoluem com uma intensa troca de e-mails entre amigos.

Esta semana recebi e-mails repudiando o BBB, e resolvi entrar na conversa. Uma mensagem dava conta de que a CNBB divulgou nota condenando o baixo nível do programa. Soube também que a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, por sua vez, disse haver várias ações contra a Globo em relação a veiculação de práticas de violações de direitos humanos, tais como tratamento desumano ou degradante, preconceito, racismo e homofobia.

Na melhor das hipóteses o BBB deveria ser exibido na alta madrugada, no entanto esse horário é reservado a bons programas como o do Serginho Groisman e ótimos filmes nacionais, mas há motivos para isso: o IBOPE. Se fosse veiculado às 3:00 horas da madrugada, por exemplo, haveria uma seleção de espectadores, excluindo os de menor idade, mas, nesse caso, acredito que o resultado seria um aumento significativo no número de trabalhadores que chegam atrasados ao trabalho.

Emissoras de rádio e televisão necessitam de concessão governamental para operar, pois são meios de comunicação de massa, e se pretende que tenham também função social. Sob essa perspectiva, o BBB é um desserviço à sociedade, mas não podemos cair na ideia fácil de querer tirar o programa do ar. Isso seria censura, e está completamente fora de questão. E se proibissem o BBB, surgiria um PMP - Programa Merda Pura, e voltaríamos à estaca zero. Desse modo, sou de opinião que basta não assistir ao programa que ele morre de inanição "ibópica", digamos assim.

O fato é que nosso povo gosta, então o erro não está propriamente na Globo, que apenas explora o filão da audiência idiota, e sim, numa cultura oficial de produzir gente alienada em número suficiente para perpetuar esse estado de consciência anêmica crônica.

Concluindo: vamos todos ao bar tomar umas e outras que é muito melhor! E, por favor, que não me venham falar em BBB!


Pedro Altino Farias, em 26/01/2012
altino.frs@gmail.com




ATENÇÃO
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quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Os Brasileiros, a Rede Globo e o “Brado Retumbante”


“Brado Retumbante”, a nova mini-série que está em curso na Rede Globo, tem atraído a atenção dos espectadores e provocado fios de esperança. A trama, de ficção com inserções de fatos reais maquiados, conta sobre um bom deputado que inesperadamente assume Presidência da República. De conflitos em fronteiras a conspirações da oposição e problemas familiares, o homem está conseguindo se sair das situações sem precisar apelar para a maldita “governabilidade”, tão em moda nos últimos anos.

Previsível, o enredo, se não chega a emocionar, agrada pela mensagem patriótica que trás embutida em si. Mas por que a Globo resolveu abordar essa temática? Ai, sim, temos uma boa notícia, pois, como é sabido, a Globo não costuma “dá murro em ponta de faca”. Ela está apenas repercutindo o anseio do povo brasileiro, principalmente da classe média tradicional, sempre sofrida e sacrificada. Sofrida, porque percebe todas as mazelas desse grande país, e pouco ou nada pode fazer; sacrificada, porque enquanto o rico fica mais rico e o pobre está indo além de seu horizonte histórico, ela permanece na corda bamba, ora tentando subir, ora lutando para não cair.

Desorganizada, acomodada e com objetivos múltiplos e difusos, a classe média até pouco tempo atrás não vinha conseguindo ser ouvida, fato que a internet, com seus diversos canais sociais de divulgação, tratou de corrigir, fazendo ecoar toda a insatisfação e indignação dessa boa parcela da população num sutil, porém sonoro, brado retumbante.

Necessário, agora, que este seja apenas o primeiro brado de muitos. E que a classe política e o judiciário tomem a frente de profundas mudanças na administração pública, sob o risco de serem atropelados por valores tão simples, elementares e antigos quanto a ética e a honra.


Pedro Altino Farias, em 23/01/2012
altino.frs@gmail.com

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

30 Anos Sem Elis

Vez por outra as águas de março, que fecham o verão, pegam-me desprevenido, e tomo aquele banho! Coisa assim me deixa louco, mas claro que não é a mesma sensação de quando sinto que teus braços se cruzaram em minhas costas, fazendo desaparecerem as palavras... Aí tu me abraças, a noite passa e... Me deixas louucooooo...

Loucuras à parte, outro dia falaram de Madalena lá no bar. “Uma fascinação!”, exclamou um coroa enxerido. "Upa, neguinho, deixa a Madalena fora desse papo", reclamou um admirador da moça. Daí para o papo derivar para romances foi um pulo, e alguém lembrou daquela dança de corpos coladinhos na base do dois pra lá e dois pra cá. Claro que rolava um uísque, mas não tão bom assim, tanto que se tomava com guaraná. Eca!!

Mas nem todos os romances acabam bem. A hora do adeus é barra, né? Tem gente que arranha, se arrasta e acaba reclamando baixinho num tapete atrás da porta. Depois sai por aí maldizendo o ex-amor, tentando se vingar a qualquer preço, mesmo o adorando pelo avesso. Ah, se aquela tal saudosa maloca falasse!

Vocês ouviram falar de uns caras bons que sumiram pelas estradas da vida, pelos labirintos do idealismo? Todos, imaginando serem bêbados ou equilibristas, foram heróis de si mesmos. Somente alguns poucos foram heróis de fato e, de súbito, nem sei por que, lembrei do Betinho, o tal irmão do Henfil.

Mas o fato é o tempo passou e crescemos. Deixamos o lance de sermos jovens contestadores para sermos senhores de nada, pois nossa geração amadureceu assim, igual aos mais jovens, igual aos mais velhos, universal. Não somos senhores de porra nenhuma... Nem nunca quisemos ser. Mas, em certos aspectos, os de caráter, por exemplo, devemos ser, sim, como os nossos pais, que viveram na época da honra e da dignidade acima de tudo.

Outro dia passou uma romaria bem em frente ao bar. Os romeiros pisavam em cima de folhas secas espalhadas na rua pelo vento, quando alguém gritou: "Maria, Maria!!". Olharam para um lado e para o outro, mas ninguém descobriu quem gritou. Um bêbado do bar disparou: "Deve ser coisa de outro mundo... Alô, alô, marciano!!"

Haja paixão!! Haja emoção!! Haja Elis!!

Ela se deu aos seus momentos com extrema paixão para nos deixar apaixonados. Durou pouco... Mas... Quem disse aí que o “sempre” é pouco?? Elis é pra sempre!! Elis é eterna!!

Aquele abraço, Elis!!


Pedro Altino Farias, em 19/01/2012
altino.frs@gmail.com

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Conteúdo



Viver o absurdo,
Ser diferente.
Sorver o conteúdo,
Dizer o que sente.

Saber ser mudo,
Também ser decente.
Analisar o conteúdo,
Fingir ser demente.

Sempre me desnudo,
Ante o que você sente.
Do seu conteúdo,
Eu sou o mais crente.



Pedro Altino Farias, em 18/01/2012
altino.frs@gmail.com

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Desistência


Desistiu. Surpreendeu a todos e desistiu. Com este “simples” ato cessaram seus tormentos. Nenhuma expectativa mais, nenhuma esperança. Tudo foi sepultado de uma só vez. O cansaço, por fim, o abatera.

Desistência: palavra não nobre, evoca o sentido de perda, entrega, capitulação. Covardia, freqüentemente, também é associada ao verbo desistir. Mas há casos e casos, e para ele a desistência foi um ato de coragem e abdicação. Antes do “desistir”, mil possibilidades passaram em seu pensamento, todas considerando causas, conseqüências, pessoas (queridas ou não), passado e futuro. Dias de angústia.

E mesmo sabendo o que enfrentaria, desistiu. Depois se sentiu leve com sua decisão, desobrigado, aliviado, renovado. Problemas, claro que continuariam a existir, mas “aquele” havia ficado para trás em definitivo. Alívio!

Mas, afinal, por que desistira? Receio? Cansaço? Desencanto? Falta de meios para ir em frente? Consideração com outrem? Responsabilidade? Toda desistência trás consigo um pouco de cada coisa agregado a um motivo maior, e foi assim com ele também. Nem vale aqui comentar.

No dia seguinte, logo cedo, olhou-se no espelho do banheiro. Prestou atenção em suas rugas, em seus cabelos grisalhos. Num instante viu o tempo passar... E quanto tempo! Mas viu também que seus olhos ainda brilhavam, o coração batia forte, o corpo emanava o calor da vida, e que seu espírito estava pronto para outras conquistas... Ou novas desistências. Tendo consciência disso, percebeu que nada perdera, ao contrário, ganhara uma nova chance. Mais uma vez.


Pedro Altino Farias, em 09/01/2012
altino.frs@gmail.com




* A ilustração é uma pintura do genial Salvador Dali

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Saudação a 2012



2012 chegou!!


Com ele começa tudo de novo.
Serão mais 52 semanas para:

Viver, trabalhar, viajar...
Sonhar e realizar.

Sorrir, chorar...
Consolar e ser consolado.

Ser presente, ser “o presente”...
Partir e voltar.

Emocionar-se, emocionar...
Agradecer por cada dia e orar.

Parar de vez em quando, pensar...
Sonhar e deixar o tempo rolar.

Cantar uma música gostosa...
E cantar e cantar e encantar.

Encontrar amigos, bebemorar a vida...
Ser solidário e se doar.

Deixar pequenas bobagens de lado...
SABER PERDOAR.





Pedro Altino Farias

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Apenas Mais Um Sábado


6:10 – Tocou o despertador. Fiquei por ali embromando mais uns 15 minutos para, enfim, sair da cama. Depois de um banho e café rápidos, estava no trânsito, que fluia com mais calma por ser um sábado. Logo estava no trabalho, uma loja auto center que fica a cerca de 10 minutos de casa. A loja, com 15000 m², recebe diariamente uma média de 120 automóveis e 35 veículos comerciais entre leves e pesados. Para automóveis esse número se repete aos sábados, mesmo com expediente encerrando às 13 horas ao invés das 18 horas durante os outros dias da semana. Um sufoco!

7:15 – Cheguei à loja onde alguns clientes já estavam em atendimento. É comum que antes das sete três ou quatro carros estejam aguardando os portões abrirem. Curiosamente os madrugadores são os mais apressados.

7:30 – Chegou o primeiro relatório de baixas. Um vendedor e uma vendedora faltaram por motivo alegado de saúde. Outra vendedora se encontra em licença maternidade, reduzindo ainda mais o quadro. Regina havia vindo trabalhar mesmo com febre devido a uma virose, e não sabia se ela agüentaria até o fim. Um borracheiro também faltou, coisa que complicou minha vida, pois o atendimento se torna mais lento por falta de braços.

8:00 – Com 22 veículos já atendidos, tudo levava a crer que caminharíamos para um sábado normal. O calor e o excesso de ruído concorrem para aumentar o cansaço físico, que por si só já é demais ao fim da jornada. Um cliente apressado pergunta no balcão se não tem quem o atenda. Mostrei que todos os vendedores, que trajavam coletes verdes por cima da camisa da farda, estavam ocupados, mas logo um o atenderia. Então, ele apontou para uma moça de camisa verde que estava do outro lado do balcão, que é circular: “E aquela moça, não pode me atender?”. “Não senhor, aquela senhora também é uma cliente”, respondi com cortesia, mas com um gostinho de boa resposta.

9:25 – Um operador de alinhamento chegou com atraso de 25 minutos e não permiti que trabalhasse. Sábado é um sufoco para todos, não há espaço para folgados. Quando um falta ou atrasa, os outros têm que se desdobrar em dois, e não seria justo com os pontuais que deixasse o atrasadinho trabalhar normalmente.

9:30 – Com 69 veículos atendidos e em atendimento, um problema nos servidores da matriz derrubou nosso sistema operacional. Tabelas, registros de entradas, orçamentos, emissão de notas fiscais, ficou tudo parado. Passamos a operar no modo de emergência crítica. E os carros não paravam de entrar na loja. Muita calma, liderança e experiência se fazem necessárias numa situação dessas, ainda mais com o quadro desfalcado...

10:30 – O tempo passa e nada do sistema retornar. Seguimos fazendo o possível para bem atender sem, no entanto, comprometer a empresa perante a clientela. Então, o que não havia condições satisfatórias para realizar, simplesmente não era feito. Normalmente aos sábados, devido ao expediente ser mais curto, executamos somente serviços rápidos. Os que exigem mais tempo, têm o diagnóstico e orçamento feitos, com a execução agendada para a semana seguinte. Essa sistemática evitou maiores perdas com a falha do sistema.

11:30 – 92 veículos já haviam acessado a loja. Um sufoco total! Mas o expediente estava mais perto do que longe de se encerrar e tudo estava relativamente sob controle.



12:15 – O sistema, enfim, voltou. Os cento e oito carros atendidos até então geraram um corre-corre no balcão com os vendedores e consultores procurando regularizar os orçamentos abertos à mão. Uma vendedora me veio dizer que está com a esposa de um cliente que acabara de sair da loja numa ligação, e que ele está muito nervoso porque roubaram uma chave do carro dele. “Mas que chave?”, perguntei. “Ela não sabe dizer, só sabe que ele está muito nervoso com esse roubo”. Orientei que a vendedora convidasse o cliente a retornar à loja para esclarecermos a situação. Verifiquei modelo do carro dele e placa, avisei à recepcionista que me avisasse logo que ele chegasse de volta, procurei o funcionário que trabalhou naquele carro para me inteirar da situação. Ser chamado de ladrão é sério, mas numa hora dessas temos que saber deixar a emoção de lado e ficar focado na solução. Quando o cliente retornou, quinze minutos depois, cheguei junto ao carro com o Carlos, borracheiro que executou o serviço, antes mesmo que ele descesse do carro. Porta malas aberto, Carlos mostrou ao cliente onde estava a tal chave de roda: no exato lugar que o fabricante projetou para esse fim. Com um sorriso “amarelo” o cliente acusador foi embora sem agradecer ou pedir desculpas. Nem uma palavra, nem um olhar. Dei uns tapinhas no ombro de meu colega injustamente chamado de ladrão, dizendo: “Vamos em frente. Tá quase terminando. Confio em você”.

12:30 – Recebi uma ligação de um amigo querendo saber se eu iria à confraternização de Natal da turma de um bar que freqüentamos. “Tu vem? Eu já tô aqui!”, disse ele com muita algazarra ao fundo. “Tô já saindo. Em uma hora tô ai”, respondi.
Aos sábados alterno o encerramento da loja com um colega. Este sábado era o plantão dele, o que permitia que eu saísse um pouco mais cedo.

12:35 – Parece incrível, mais a loja já está num ritmo bem mais lento, apenas finalizando os serviços iniciados. Tudo sob controle, deixei meu colega no comando e fui tomar um banho. Mesmo exausto estava louco para participar da tal festa.

12:50 – Cerca de 15 quilômetros me separavam do local onde a turma estava. Saí da loja com um itinerário traçado na cabeça, mas a meio caminho me deparo com uma via interrompida. Mais alguns preciosos minutos foram perdidos.

13:30 – Enfim, chego ao destino, onde sou recebido pelos dois irmãos anfitriões com efusivos abraços e uma fotografia entre eles. E eu ainda nem tinha um copo na mão...
A tarde passou rápido demais. Muita alegria e brincadeira. Muita comida boa e bebida. Mais de quarenta amigos se confraternizando, uma festa bonita de se ver.


16:30 – Depois da foto oficial do evento a turma foi indo embora, afinal, alguns haviam iniciado os “trabalhos” bem cedo e já estavam esgotados. Eu estava também, mas pelo cansaço. No caminho de casa parei numa sorveteria. Desejava doce e gelado depois do sufoco do trabalho e do excesso no bar.

17:00 – Já em casa, tomei um banho e dormi... Dormi bem até por volta das 19 horas. Quando acordei minha esposa dormia. Esperei um pouco. Acordei com uma vontade imensa de tomar uma cerveja geladíssima. Ou duas. Em casa não havia nenhuma. Minha esposa acordou pouco depois e ficamos conversando. Os dois filhos estavam em casa e entraram na conversa. Já adultos, tanto ela quanto ele têm bom papo.

21:00 – Enfim, saímos para comer algo e tomar uma gelada. Para evitar surpresas desagradáveis fomos a uma churrascaria conhecida. Sentamos-nos à mesa de costume, sendo atendidos pelo garçom de sempre. “Traga uma cerveja gelada, daquelas que parecem mofadas.”, pedi em tom de súplica. Pedi também uma picanha para tira gosto. A cerveja veio conforme a encomenda, e tomei-a quase de um só gole. Sorver seria o verbo mais apropriado. Então chamei o garçom e fiz novo pedido: “Agora você traz a irmã daquela.”, e ele trouxe uma igualzinha. Depois tomei ainda uma terceira e parei, senão beberia a família inteira: pais, tios, primos, avós...


22:00 - Depois desse breve intervalo ficamos um pouco sozinhos. Conversas amenas, carinhos, meia luz, uma música suave, e... Os corpos relaxaram, as mentes também, dando lugar a pensamentos e sentimentos normalmente atropelados pela correria dos nossos dias. Mais uma cervejinha só para fechar e...



02:00 – Hora de ir para casa dormir depois dessa longa jornada que teve início às 6:10. Durante o dia os ruídos do trabalho se transformaram, primeiro em risos e gargalhadas, depois em música suave. Abordagens de clientes insatisfeitos tomaram a forma de abraços amigos e, mais tarde, carinhos secretos. O tempo, que primeiro torturava, na madrugada deslizava suavemente. Já era domingo, e lá se foi mais um sábado...





Pedro Altino Farias
altino.frs@gmail.com