O público foi chegando aos poucos, e aos poucos a casa de show foi tendo seus espaços preenchidos. Alegria, cores, festa, agitação. Um DJ animava o ambiente antes da atração principal, um grupo musical norte americano que fez estrondoso sucesso nos memoráveis anos 70.
Informais e descontraídas conversas agregavam grupos de amigos que aguardavam a apresentação, embalados por boa música e boas doses de alguma bebida. Quanto mais próximo do show, mais pessoas chegavam, alegres e ansiosas, para assistir à exibição e relembrar tempos idos.
Um casal chamava atenção. De pé, na platiea, encostado a uma grade, ele segurava a bolsa dela com a alça enrolada à mão. Parecia temer assaltos e violências, como em ambiente aberto. Quase abraçados, notava-se certa cerimônia, por isso o “quase”.
Tem início o show. Luzes, sons e febre invadem a casa. Todos se agitam, aplaudem, vibram. E o casal lá, encostado à grade, imóvel. Ele, alça da bolsa enrolada firmemente à mão e olhar gélido em direção ao placo. Ela, quase abraçada a ele, e olhos que faltavam saltar das órbitas rumo ao burburinho do público eufórico.
Vai e vem frenético no bar. Jovens e cinqüentões igualmente abrem espaço no balcão com os cotovelos. Copo na mão, música na cabeça, amor no coração e movimentos no corpo. Alheio a tudo, o casal continuava rígido na mesma posição. Olhos arregalados rumo ao palco, ele, ainda com a bolsa segura pela alça com vigor. Ereto ali, transpirava em abundância, agora com uma simplória garrafa de água na outra mão. A cena, traduzida, mostrava um homem de cinqüenta e poucos contando que os minutos passasem rapidamente para voltar ao lar quieto e seguro.
Ela, quase abraçada a ele, tinha os olhos também no palco, mas seu olhar era outro. Com certeza seu coração vibrava com intensidade a cada música. Os olhos, arregalados, queriam transportar o corpo para o meio da multidão, e não fugir dela. Queriam pulsar e viver o momento, sem deixar que ele se fosse impunemente. Ambos com olhos arregalados, porém, sentimentos diferentes os afastavam, fazendo-os “quase” se abraçarem por pouco mais de duas longas horas.
Ao fim do show os dois sumiram. Pareciam tele-transportados instantâneamente. Ao chegar a casa, ele tomou um banho quente, suco de fruta fresco e deitou-se, vendo pela TV a cabo filme enfadonho e insosso. Ela, depois de banho demorado, pretexto para ficar só, deitou-se quase ao lado dele. “Quase” não pela distância física, que era nenhuma, mas pelo pensamento. Ele, com seu filme de nada, esperava o sono lhe abater. E ela torcia por isso. Excitada, queria ainda ficar um pouco sozinha, lembrar um dia especial de muitos anos. Quem sabe, quieta, até se masturbasse pensando nesse dia... Que talvez nem tenha existido de fato. Depois dormiriam assim, um “quase” ao lado do outro. Como sempre.
Pedro Altino Farias
Informais e descontraídas conversas agregavam grupos de amigos que aguardavam a apresentação, embalados por boa música e boas doses de alguma bebida. Quanto mais próximo do show, mais pessoas chegavam, alegres e ansiosas, para assistir à exibição e relembrar tempos idos.
Um casal chamava atenção. De pé, na platiea, encostado a uma grade, ele segurava a bolsa dela com a alça enrolada à mão. Parecia temer assaltos e violências, como em ambiente aberto. Quase abraçados, notava-se certa cerimônia, por isso o “quase”.
Tem início o show. Luzes, sons e febre invadem a casa. Todos se agitam, aplaudem, vibram. E o casal lá, encostado à grade, imóvel. Ele, alça da bolsa enrolada firmemente à mão e olhar gélido em direção ao placo. Ela, quase abraçada a ele, e olhos que faltavam saltar das órbitas rumo ao burburinho do público eufórico.
Vai e vem frenético no bar. Jovens e cinqüentões igualmente abrem espaço no balcão com os cotovelos. Copo na mão, música na cabeça, amor no coração e movimentos no corpo. Alheio a tudo, o casal continuava rígido na mesma posição. Olhos arregalados rumo ao palco, ele, ainda com a bolsa segura pela alça com vigor. Ereto ali, transpirava em abundância, agora com uma simplória garrafa de água na outra mão. A cena, traduzida, mostrava um homem de cinqüenta e poucos contando que os minutos passasem rapidamente para voltar ao lar quieto e seguro.
Ela, quase abraçada a ele, tinha os olhos também no palco, mas seu olhar era outro. Com certeza seu coração vibrava com intensidade a cada música. Os olhos, arregalados, queriam transportar o corpo para o meio da multidão, e não fugir dela. Queriam pulsar e viver o momento, sem deixar que ele se fosse impunemente. Ambos com olhos arregalados, porém, sentimentos diferentes os afastavam, fazendo-os “quase” se abraçarem por pouco mais de duas longas horas.
Ao fim do show os dois sumiram. Pareciam tele-transportados instantâneamente. Ao chegar a casa, ele tomou um banho quente, suco de fruta fresco e deitou-se, vendo pela TV a cabo filme enfadonho e insosso. Ela, depois de banho demorado, pretexto para ficar só, deitou-se quase ao lado dele. “Quase” não pela distância física, que era nenhuma, mas pelo pensamento. Ele, com seu filme de nada, esperava o sono lhe abater. E ela torcia por isso. Excitada, queria ainda ficar um pouco sozinha, lembrar um dia especial de muitos anos. Quem sabe, quieta, até se masturbasse pensando nesse dia... Que talvez nem tenha existido de fato. Depois dormiriam assim, um “quase” ao lado do outro. Como sempre.
Pedro Altino Farias